A Sereia do Mangue

A lua estava em crescente e a maré vazava ainda de madrugada. O sol nem havia saído e lá estava ela pondo suas mãos dentro dos buracos ainda cobertos pela lâmina d'água.

Quando ela chegava ao mangue seu andar era de princesa, seus gestos ao colocar em algum lugar seco a sacola com alguns pertences e o lanche eram suaves movimentos e o retirar as sandálias dos pés parecia uma dança.

Entretanto, a busca pelos artrópodes a transformava numa predadora tenaz e incansável. Em poucos instantes já estava fazendo parte daquela paisagem extremamente peculiar, pois se jogava sem cerimônia naquele terreno escuro, lamacento e, à primeira impressão, meio lúgubre. Então, logo as mãos estavam escuras e, imediatamente depois, os braços e antebraços também se sujavam. Ao se lançar, como se quisesse entrar nos abrigos de suas presas, as faces tocavam o solo e os cabelos, embora presos numa espécie de rabo de cavalo, não escapavam daquela estranha pintura e miscigenação com a natureza.

Seus ataques eram sempre certeiros e, presas aos seus dedos em forma de pinças, suas caças subiam de seus esconderijos em tentativas inúteis de escapar. Uma sacudida vigorosa no caranguejo nas poças d'água que sobravam da maré rasante, uma inspecionada rápida e o animal já era jogado dentro do puçá, um por um.

Em pouco tempo a figura feminina já ficava irreconhecível: o rosto se mascarava, sua blusa de mangas curtas já adotava a cor local, o short jeans curto, suas pernas, da coxa ao tornozelo, recobriam-se de lama e os pés pareciam uma bota escura.

Numa olhada ao redor viam-se dezenas de outras pessoas nas mesmas circunstâncias, na mesma tarefa de buscar o sustento naquele ambiente, cada um respeitando o espaço do outro… parecia haver caranguejo para todos. Mas a nossa figura se sobressaía dos demais por sua destreza e altivez, além da disposição em lidar com as adversidades do local e do que era o alvo deles.

A manhã passava ligeira e o puçá se enchia rápido. Então, antes de todos, a encantadora catadora de caranguejos encerra sua tarefa, arruma seus pertences, afasta-se para a praia, beirando o mangue, se joga nas águas verdes e límpidas do mar e se ergue sem a lama, limpa e formosa, novamente uma princesa. Retira as roupas se expondo apenas com minúscula parte de baixo de um biquíni, verdadeira sereia.

E assim, com o sol a pino, lava o short e a blusa, veste-os e segue, como se desfilasse, comendo seu lanche, carregando o pesado puçá e sua cota de animais para o restaurante de seu pai.

 

Juvênio de Lima Gomes