A velha Maria Fumaça

A linha férrea em Londrina, separou a cidade em duas classes : acima dos trilhos de ferro, o próspero comércio das ruas Sergipe, Professor João Cândido, a Avenida Paraná, frequentada pelos jovens da cidade, que ali faziam o seu footing aos sábados após a missa: as moças passeavam de um lado, elegantes, com seus vestidos godês, tubinhos, cabelos impecáveis, frizados com permanente, fixados com laquê , batons coloridos, jogando charme aos moços de terno, cabelos ajeitados com a brilhantina, que passeavam do outro lado da avenida, e flertavam com as moçoilas.... depois iam para os cinemas: cine Londrina,Joia, Brasília, Augustus, Cine Ouro Verde; os Bancos, do Brasil, do Estado do Parana, de Minas Gerais, Francês e brasileiro, entre outros, a Catedral, o Colégio Mãe de Deus, frequentado por meninas abastadas da época, as casas dos grandes fazendeiros, comerciantes, nos bairros centrais, chiques, como Higienópolis, Shangrilá, e, abaixo, os bairros pobres, como Vila Nova, VilaYara, Vila Cazoni, da classe trabalhadora, onde concentrava-se o comércio popular da rua Guaporé, o maior e mais bem conceituado Colégio público da cidade, Colégio Estadual de Londrina, depois, Vicente Rijo e, finalmente, Champagnat. A conhecida e histórica zona do meretrício, famosa nos tempos áureos do café, na Vila Cazoni, onde hoje é a Estação Rodoviária, que atraía políticos famosos, homens de negócios da região, de São Paulo e outros centros.

Quando vim do sítio para Londrina, em 1961, morava na Rua São Salvador, entre as ruas Bahia e Guaporé. Uma região central próxima ao Colégio, mas discriminada por estar abaixo da linha.Nunca abaixo do desejo de crescer , realizar sonhos , apesar das dificuldades enfrentadas no dia-a-dia. Ainda criança, tinha que pular os vagões de trem estacionados ou fazendo suas manobras nos trilhos da Ferroviária em belo estilo alemão, correndo risco de acidentes, para poder ter acesso ao centro da cidade; aos domingos, ir à missa, ao matinê das 10:30 no Cine Augusto, point da época, para assistir ao seriado Tom & Jerry, uma festa para nós, pois nos empanturrávamos de pipoca, bala toffe ou de hortelã, chicletes adams, e de alegria, só por vermos o menino que a gente gostava por ali, no escurinho do cinema. Às vezes acompanhado de outra menina... Fazia o coração disparar... as pernas tremer. Suar frio. Que delícia de sentimento. De emoção. A gente gostava dos meninos com pureza de coração. Tempo do flerte saudável. Sem malícia. Já crescida , aos dezesseis anos, para trabalhar, todos os dias, a mesma rotina: aguardar o tempo certo e seguro para saltar os vagões e acessar o centro da cidade. Tempo de sacrifício. Hoje, o que antes era sacrifício, virou saudades. A velha Maria fumaça, o velho sino de bronze, tocando, várias vezes, avisando os viajantes, hora do embarque, desembarque. O vento soprando o apito de soprano da Maria Fumaça que ecoava pelo céu da pequena Londres, ora azul, de brigadeiro, ora maquiado de neblina, criando cenas cinematográficas, dignas de filmes de Hollywood, as despedidas, os beijos apaixonados, as lágrimas da primeira namorada. O menino do jornal, vendendo a manchete do dia: olha o jornal, quem vai levar? notícias quentinhas: morre em Londrina, idoso atropelado pelo trem ... também havia esses acidentes cruéis que comoviam toda cidade; os exímios engraxates, nas plataformas, sentados sobre suas caixas de madeiras , para fazer brilhar os sapatos dos homens de negócios, importantes, matar a fome com uma coxinha oferecida pelos vendedores ambulantes que ali também ganhavam a vida, ajudar na despesa da casa... Londrina, apenas uma menina , sendo proclamada pelo mundo a Capital Mundial do Café.

Benvinda Palma

Bemtevi
Enviado por Bemtevi em 20/05/2022
Reeditado em 20/05/2022
Código do texto: T7519835
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