mês de maio, mês de maria

Estamos no mês de maio, descambando para o seu final, ultrapassada a primeira quinzena, ainda estamos no Mês de maio.

Mês de Maria, mês das flores, mês das noivas, mês em que o céu fica azul... Se bem que, aqui no Rio de Janeiro, as nuvens encobriram o famoso azul celestial da cor do manto de Maria que somos brindados neste mês. Hoje, por exemplo, o céu abriu as comportas, muita chuva, prenúncio de um rigoroso frio, preconizado pelo Serviço de Meteorologia, muito frio há de vir, esfriando as ruas, as estradas, esfriando a vida, esfriando tudo o que há de ser esfriado... Mês da poesia, por que não? É um mês das novenas, das cantorias, das litanias em que imploramos a intercessão da Santa Virgem em nosso favor. Não é sem emoção que recebo este mês com alegria e muito amor. Afinal, me renovo, traço metas, revejo o tempo vivido até então, me bendigo, me resigno com as partidas dos entes queridos e amigos, os que se foram para uma viagem sem volta... Maio, minha alma canta, me renovo, muitos sonhos, palavras brotam e as ajunto numa procela de temas. Nasci sob o terceiro decanato de Touro, a 18 e registrado a 19, numa quinta feira; e, nesta multiplicidade incontida de emoções, ponho à mesa da vida as incontáveis mortes que morri, as ressurreições depois das refregas que me tornaram mais prudente e me colocaram no caminho do meio, rumo ao self. Por tudo isto, para mim, este mês é sagrado, com recordações da meninice.

Agora mesmo estou a lembrar-me que, aos 12 anos de idade, eu armava um altar em homenagem à Virgem, a meninada da rua Vidal de Negreiros comparecia ao terço e existia o noiteiro para cada dia. Eu não possuía uma imagem de Nossa Senhora, pedi emprestado à uma senhora que possuía um oratório. Minha mãe me alertara que se a imagem se quebrasse, eu iria levar uma surra. Na noite de Marilene Marçal, estávamos arrumando o altar, veio um vento forte e... a imagem de gesso foi ejetada do pedestal e partiu-se ao meio. Qual não foi o meu desespero! O que fazer? A mãe de Marilene me deu ânimo, colou a imagem com "grude de goma" e prosseguimos com as noites em homenagem à Virgem. Nessa noite tive febre alta. Meu Deus, ansiava que o mês de maio terminasse e eu devolvesse a imagem "sã e salva". No dia 31 de maio, preparamos o andor, pusemos a imagem com muito cuidado. Tia Levina, com seu olho de lince, viu o contorno da parte quebrada na imagem. Devolvemos a imagem com cantorias e preces. Graças a Deus me livrei de levar uma surra... Participaram dessa procissão Luizinho da Celpe e Dom Frei Severino Batista. Talvez, Dom Severino nem se recorde.

O saudoso repicar dos sinos da Igreja Matriz de São José dos Bezerros, era um espetáculo à parte, proporcionado pelo velho Manoel Leite, bombas e girândolas, indispensáveis aos nossos regozijos; os cânticos religiosos tendo a soprano Maria Teles e a voz de Tenor de Dedinho; os contraltos Leide Dias e Dione Pessoa, sendo acompanhados por Maria Amélia e Zorilda. Cada dia o altar da virgem era caprichosamente ornado, obedecendo a criatividade de cada noiteiro.

Houve um tempo, amigo leitor, amiga leitora, há muito já passado, onde a felicidade exaltava a fé e as preces fervorosas sem repasse nem nada...

São boas as recordações quando elas trazem um sabor de saudade e fazem com que a gente se situe na eternidade do tempo.

Oh! O tempo sem tempo de parar, inflexível ele voa, deixando saudade, deixando um revival em sua ressurgência, fantasmagórica, uma vontade em estar mas se deixa ir pelo vento. Lima Barreto escreveu estas palavras lapidares:

"Oh! O tempo! O inflexível tempo, que como o Amor, é também irmão da Morte, vai ceifando aspirações, tirando presunções, trazendo desalentos, e só nos deixa na alma essa saudade do passado às vezes composta de coisas fúteis, cujo relembrar, porém, traz sempre prazer".

O tempo passa, e Maio volta no ano seguinte... Paira no ar ternuras e afagos; novas poesias se manifestam em mentes pensantes; os pássaros cantam ao entardecer na Praça Duque de Caxias, em meu aprazível rincão; o verde da Serra Negra é mais vivo, um sopro de vida anima tudo, inclusive os viventes...

Apesar dos muitos passados, a nossa alma se alevanta, canta e encanta; a árvore da vida rediviva, florescem em novos sonhos, brotando muito verde de esperança, alvíssaras novidades, para depois num ciclo vicioso, as folhas murcham, perdem o viço, as aves agourentas se manifestam, bem antes que o ano termine.

Esta é a nossa vida, cheia de altos e baixos, muitos risos e muitas lágrimas, saudades que não terminam, amor e desamor, encanto e desencanto, em cada canto restam passados, à espera da última morte que determina o último ato, invocando a proteção da Virgem da Boa Morte, a padroeira dos aflitos e sofredores.

Obs. várias citações do escritor Lima Barreto.

clira
Enviado por clira em 20/05/2022
Código do texto: T7519818
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