Bendito mariano

 

          Ouvir benditos e cantochão me faz um bem... Sou muito ligado na música sacra.

          Tenho uma meia dúzia de CDs de lindos cânticos religiosos; do Padre Zezinho ao cantor desconhecido, porém, bom. Ouço benditos e música gregoriana quando quero fugir do vuco-vuco do dia a dia. O Cantochão e o bendito constroem momentos de ternura na minha vida. Bendito e cantochão, confesso, mexem com meu velho e piedoso coração...

          Nos meus tempos de seminarista, idos de 1947 a 1952, no mês de maio, os benditos marianos, não nego, aumentavam o meu desejo de ser frade franciscano; com os seráficos estudei todo esse tempo. Apesar de tanto tempo nos claustros, não deu. Sabem porquê? Porque muitos são os chamados e poucos os eleitos - Multi sunt vocati, pauci  vero electi. Na minha memória, ficaram

os benditos e o cantochão que ouvia a comunidade cantar antes do sol nascer.

          Vou contar uma história que não contei a ninguém, volvidos mais de meio século, desde que tudo aconteceu.  No seminário, tenteifazer parte do coro do internato. Nunca consegui porque era muito desentoado. Frei Feliciano Trigueiro OFM, maestro e regente do coro do seminário, um genial músico, até tentou me ajudar. Minha voz não ajudava. Ele aconselhou-me a continuar rezando, de preferência em silêncio. E é o que faço; até hoje.

          Nesse maio de 2022, a crônica é para o bendito. O cantochão fica para o próximo ano. Dito isso, afirmo, com a mais absoluta segurança, que os benditos do mês de Maria são diferentes. O leitor, por acaso, já notou? Há, em cada som, em cada estrofe, em cada verso dos benditos marianos uma declaração de amor à Mãe do Rabino de Nazaré. Tem algo amoroso. Deixam saudade.      Ainda mais belos são os benditos cantados na hora da coroação da Virgem, quando os altares são tomados por um perfume que nem a mais cheirosa das rosas possui. 

          No interior do meu tempo de menino - não sei agora - a coroação de Nossa Senhora era uma festa solene. Além de belos benditos, anjinhos tomavam conta de cada pedacinho dos altares iluminados; com destaque para aquele anjo escolhido pelo vigário para coroar a Regina Coeli. 

          Uma vez, escrevendo sobre minhas lágrimas, incluí a coroação de Maria entre os motivos que me fazem chorar, tomado por forte emoção. Não me envergonho de fazer essa declaração. Charles Dikens (1812-1870), popular romancista inglês, fez esta observação: "Nunca devemos nos envergonhar das nossas próprias lágrimas". Sim, elas nunca me envergonharam.

          Há um bendito, dos tempos do seminário, que nunca esqueci. Chega maio, e ele me vem  à memória e à garganta. E o pior: animo-me a cantá-lo, ainda com aquela voz que Frei Feliciano Trigueiro OFM delicadamente condenou lá naquele claustro. Mas canto para Maria. E ela, com certeza, estará ouvindo o seu devoto desentoado, porém fiel ao seu manto azulado e branco.

          Antigamente era assim: enquanto o anjo, geralmente a menina mais bonita do lugar, coroava a Mãe Celeste, os fiéis cantavam esse bendito, que recordo com saudade: "Um terno amor de saudade,/ Te dão os filhos teus,/ Adeus, ó mãe de bondade,/ Rainha do céu, adeus!" E segue. 

          Lembrando esse bendito, coloco-me no braços de Maria de Nazaré, nesse maio molhado em Salvador.

          Mas a chuva não machuca as flores, no seu mês...

           

          

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 19/05/2022
Reeditado em 19/05/2022
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