Silêncio dos Mortos

Eu tive uma vida boa, fui feliz e tive momentos inesquecíveis com todos aqueles que fizeram parte da minha vida mesmo que por um curto período de tempo. Ao olhar para trás, só vejo lembranças agradáveis. Mas, agora que já estou no fim de minha jornada, me encontro sozinho. Não sei onde todas essas pessoas estão. Mas eu entendo, ninguém quer desperdiçar tempo com um velho.

Contudo, desde um tempo para cá... não estive mais sozinho. Aceito que quando vocês chegaram, me incomodaram um pouco. Vocês me entendiam e nos divertíamos juntos.

Eu acordava pegava minha bengala e seguia meu caminho lentamente até o local onde nos encontrávamos. Sempre com um sorriso no rosto. Sentava naquele mesmo banco embaixo das árvores e encostava minha bengala no tronco da árvore. Vocês ficavam ali ao meu redor, alguns sentavam do meu lado, outros de pé. Posso não ter uma memória excelente, mas lembro muito bem das nossas conversas, nós riamos juntos e eu ensinava vocês a jogar xadrez. Sim, admito que deixei vocês ganharem várias vezes.

As pessoas que passavam na calçada ao lado me olhavam de um jeito estranho, vez ou outra, alguém sempre vinha até mim perguntar se eu estava bem. Elas pareciam ignorar a presença de vocês ali e eu não entendia o porquê das perguntas.

Eu passava o dia naquele banco, e no anoitecer na hora de ir embora vocês ficavam parados me olhando ir, até eu desaparecer do campo de visão. Diversas vezes os convidei para irem comigo, visitar minha humilde casa, mas a resposta era sempre a mesma; não podiam.

Não sei se é porque minha visão e audição já não estão nas melhores condições, mas no início eu não conseguia distinguir vocês muito bem, não passavam de borrões e vozes. Porém, a cada dia que passava eu os via e ouvia melhor.

Passou-se um bom tempo.

Um dia, eu vim com passos apressados e o tabuleiro de xadrez debaixo dos braços ansioso para uma nova partida. Eu sentei no banco, encostei a bengala e abri o tabuleiro já preparando as peças. Olhei para vocês sorrindo, mas estavam todos parados de pé na minha frente com um sorriso triste. Tudo começou a escurecer lentamente, meus sentidos falhando e então... eu apaguei.

Quando acordei, estava me sentindo novo em folha.

Mas... eu não estava sentado no banco do cemitério que eu frequentava todo dia para encontrar vocês, meus amigos. Olhei ao redor e vi todos vocês, mas algo parecia diferente. Conseguia ver detalhadamente cada um.

Me virei para a calçada onde as pessoas passavam, mas... ninguém reconheceu minha existência, pareciam não me notar. Observei vocês novamente e percebi que estavam posicionados cada um em frente a uma lápide.

Foi então que eu olhei que atrás de mim... havia uma lápide com meu nome e a minha bengala encostada.

Lanka
Enviado por Lanka em 15/05/2022
Código do texto: T7516970
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