A CAPELINHA

 

Ela chegava por volta das 17:00 h, trazida por alguém da família vizinha. Mamãe a colocava sobre uma mesa redonda que tínhamos a um canto da sala de estar, não sem antes guarnecer a mesa com sua melhor toalha e um vaso de flores recém colhidas do jardim. Tornara-se uma visita muito esperada, vinha uma vez por mês, quase sempre na mesma data. Era a capelinha de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, a padroeira de nossa cidade de Curitibanos, no planalto catarinense.

 

A capelinha era toda forrada de seda azul e enfeitada com algumas flores artificiais, pequenas e delicadas. Na parte posterior havia uma pequena abertura, qual um cofre, onde as pessoas podiam colocar suas doações em dinheiro que eram usadas para a manutenção da mesma. Também, colada na parte de trás, havia uma lista das famílias da comunidade que queriam receber sua visita, um roteiro, com nomes e datas.

 

Nossa Senhora pernoitava em nossa casa e, entre 17:00 e 18:00 h do dia seguinte, continuava seu périplo pela vizinhança. As lembranças desse singelo evento permanecem muito claras em minha mente. Eu era criança e esse fato repetiu-se até que mudamos de cidade, ao final de minha adolescência, quando fui em busca de meu sonho de cursar uma universidade.

 

Na noite em que a Mãe de Jesus chegava, meus pais organizavam, após o jantar, a reza do terço, com a família reunida. Vovô, vovó e uma tia solteira, que moravam muito próximos de nós, vinham participar. Era um momento de congraçamento, união, nessa prática ancestral de nossa fé católica.

 

No dia seguinte, era eu, a mais velha das crianças, a responsável por levar a capelinha para outro morador, determinado na lista, sempre com as mesmas recomendações de mamãe, para que tivesse cuidado e atenção nesse mister.

 

Muitos dos personagens que rezavam o terço naquelas noites já se foram, porém suas posturas e a correção da cena permanecem vivas, muito embora eu não tenha mais a inocência infantil e a vida tenha me marcado. Avançada em anos e mais cética do já fui, com meu país, com o governo, as pessoas em geral, sem fanatismos ou arroubos messiânicos, ainda me sustento de fé e esperança nos momentos escuros de minha pequenez e solidão. Aquelas experiências em família, os exemplos dos ancestrais, foram mais fortes e me mantêm serena e esperançosa, apesar de tudo.

 

 

 

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 15/05/2022
Reeditado em 15/05/2022
Código do texto: T7516909
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