Conversando sobre quadras

Quando eu ensinava um pouco da língua e da literatura (mais aprendia, do que ensinava – é a verdade), algumas vezes fazíamos pequenas oficinas literárias, nas quais – a partir de temas variados – eu provocava o grupo a que escrevesse quadrinhas. E várias delas ficavam melodiosas, bonitas mesmo! Às vezes, eu ajudava na rima, na métrica – essas intervenções típicas de quem ensina e descobre talentos, que não raras vezes superam nossas habilidades.

Eu propunha as quadras, exatamente porque há nas pessoas a ideia de que poesia é principalmente rima e, para alguns – mais estudados – poesia também é a métrica perfeita. É que no imaginário sobrevive o endeusamento da forma, como faziam os poetas parnasianos...

Depois, ou simultaneamente, muito disso que falei aí acima, era desconstruído e se aprendia que – com a lição dos modernistas – a rima deixou de ser o mais importante. É só a gente se lembrar de Drummond: “Não rimarei a palavra sono /com a incorrespondente palavra outono./Rimarei com a palavra carne /ou qualquer outra, que todas me convêm”. Haja ousadia... E nisso os modernistas foram mestres.

Mas falávamos sobre quadras, não? E que elas são rimadinhas, mas isso é meia verdade. Vejamos por quê. Compulso o trabalho de um folclorista e professor aqui da minha terra, Antônio Weitzel, que escreveu um saboroso livro, bem conhecido, chamado “Folclore linguístico e literário”.

No capítulo sobre as quadras, Weitzel lembra que a quadra “é um milagre literário de persistência, de continuidade, de popularidade” e defende que tanto a quadra literária – a dos homens de letras – quanto a popular, quando caem na boca do povo se folclorizam e o nome do autor fica mesmo esquecido:

“Quando a trova é mesmo boa,

é sempre assim que acontece:

– o dono fica esquecido...

mas a trova não se esquece.”

Percebeu o leitor que, na quadra acima, apenas se rima o segundo verso com o quarto? Teríamos, então, o seguinte esquema de rimas: ABCB – esquema de rimas populares. Mas há outros esquemas: rimas alternadas (ABAB), opostas (ABBA ou ABCA), emparelhadas (AABB), fechadas (ABBC) e AAAA (monorrítmicas). Há, mesmo, as quadras arrímicas (sem rimas).

Tudo isso o capítulo de Weitzel exemplifica, e eu reproduzo aqui algumas dessas quadras para apreciação do leitor:

“ Meu amor me deu um beijo,

De vergonha eu caí,

Para de tão sem vergonha,

Levantar querendo mais.” (arrímicas)

“Toda a vida ouvi contar

Que amor matava a gente;

Fui um dia experimentar,

Quase morro de repente.” (rimas alternadas: o primeiro rima com o terceiro e o segundo rima com o quarto)

“Trinta dias tem novembro,

Abril junho e setembro;

Vinte e oito só tem um,

Os demais têm trinta e um.” (rimas emparelhadas: o primeiro rima com o segundo e o terceiro rima com o quarto).

“Eu disse acreditar,

Ao dizeres que me amavas;

Eras tu que me enganavas,

Ou fui eu que te enganei?” (rimas fechadas: apenas o segundo e o terceiro versos rimam)

O estudioso faz uma interessante separação terminológica – certamente dispensável aos leigos – de que o termo quadra abarca as composições de quatro versos com métrica de até doze sílabas. Quer dizer, poderíamos ter uma quadra com versos decassílabos, por exemplo. Já o termo trova ou quadrinha se aplica aos pequenos poemas de quatro versos com métrica em redondilha maior, ou seja, versos de sete sílabas.

Fiz aqui essa pequena abordagem objetivando – é claro – instigar os iniciantes na leitura e mesmo na composição de quadras. É claro que há os plenamente vocacionados para a arte poética, mas um pouquinho de técnica não faz mal a ninguém. Não é?

O caráter popular e folclórico das quadras salta aos ouvidos... Mas nem por isso elas deixaram de atrair grandes nomes da literatura como é o caso de Fernando Pessoa, autor de "Quadras ao gosto popular", como estas pérolas, presentes em sua "Obra Poética":

"Tenho um segredo comigo

Que me faz sempre cismar.

É se quero estar contigo

Ou quero contigo estar."

"Depois do dia vem noite,

Depois da noite vem dia

E depois de ter saudades

Vêm as saudades que havia."

"A vida é um hospital

Onde quase tudo falta.

Por isso ninguém se cura

E morrer é que é ter alta."

Ah! Antes de encerrar, uma dica de leitura. Neste Recanto, Dilson Poeta transita pelas trovas com a inspiração dos grandes mestres. Eis pequena mostra, em rimas alternadas:

"Pelo início e pelo fim,

em dúvidas sempre estou

porque não sei de onde vim,

e nem sei para onde vou!"

"Saboroso pão de coco

delícia que satisfaz,

quem come dois, acha pouco,

e quer comer muito mais."

"Trovando dou meu recado,

tendo muito amor pra dar,

se sonhar não é pecado,

com você, posso sonhar?"