Empatia

A ascensão dos millennials tons pastéis (daqueles que ouvem a nova MPB e bebem heineken em manifestação na Cinelândia) fez com que uma série de termos entrasse no nosso vocabulário, de modo que, muito antes do ideal, eu não conseguisse mais suportar termos como potência, jornada, ranço, ciranda, criança interior e, dentre todos, a maior antipatia de todas, sim, ela: a empatia.

Não me vejam com maus olhos, meu problema não é, de maneira alguma, com o sentimento que a palavra exprime e toda a responsabilidade que está em volta dele, meu problema é único e exclusivo com o uso ad nauseam da palavra, muitas vezes, de maneira quase inconsequente e fora de seu contexto de referência.

Já falei algumas vezes sobre como guardo alguns rancores sem qualquer tipo de problema. Não há necessidade de perdoar se não há vontade, e acho, inclusive, que essa necessidade de perdoar tudo, de compreender tudo, de querer amar tudo e todos é a combinação ideal para ter uma belíssima crise de nervos antes dos 45. Se o excesso de empatia mata, o uso aplicado de forma errada no objeto errado, certamente também mata.

Em outras palavras, ter empatia com todos, exceto consigo mesmo, é a receita ideal para surtar. Muito se tem falado nos últimos tempos sobre não se cobrar tanto, sobre entender seus momentos de falha, tristeza e incapacidade em lidar com situações claramente difíceis. O problema desse discurso é que ele é sempre aplicado para situações previsíveis e padrões: não se forçar a ir à academia depois de um dia difícil de trabalho, liberar um fast food para a criança em uma quarta-feira, entender que cada corpo é um corpo e por aí vai.

Não digo, de forma alguma, que algum desses pontos seja fácil de lidar, é um exercício diário. Mas, se por um lado, demandamos toda a nossa empatia para os eventos, damos pouca ou nada de empatia com as situações. Certa vez, fui conversar com uma amiga que reclamava de não ter um rendimento satisfatório nas atividades da faculdade, apesar de todo seu empenho para elevar suas notas. Por já ser amigo, por conhecê-la bem, por saber de toda a história, meu primeiro comentário foi tentar trazê-la de volta à realidade: “Você estuda e trabalha, amiga. Você mora longe do seu trabalho e da sua faculdade. Você é filha, neta, irmã, madrinha e tia. Você faz muito mais do que só estudar”. Ajudou naquele momento, mas não foi suficiente.

Não é suficiente. Num mundo em que é vendida uma realidade de planners e bullets perfeitos, notas altas, casas próprias e mobiliadas antes dos 30 com, no mínimo, um carro seminovo ano 2013 na garagem, é realmente difícil ser empático com a sua própria realidade. É difícil enxergar o todo quando o que nos é vendido como totalidade é apenas uma realidade isolada de uma pessoa isolada.

Vivo no Brasil de Paulo Guedes, o dólar, hoje, 13 de maio, dia da abolição (para quem?), está sendo cotado na casa dos 5 reais, em épocas ruins, a quase 6 reais. Vivo no país em que a gasolina custa quase 10 reais e o azeite de oliva quase 20. Vivo no país em que passamos a lutar 12 rounds com asma para ter o básico. Vivo no país das privatizações em que querer o básico do Estado é uma ofensa ao (neo?)liberalismo voraz que governa. Vivo no país dos quase 700 mil mortos. Vivo no Brasil. Vivo em 2022. Vivo, existo e resisto aqui.

Não tem sido fácil para nós. Escrevo isso para que você se lembre que não está só. Escrevo isso para que eu me lembre que não sou somente eu. Escrevo para nós. Escrevo por nós. Escrevo para lembrarmos que estar em uma situação complicada nesse momento é regra e não exceção.

Escrevo sendo empático com você. Escrevo sendo empático comigo. Escrevo torcendo, mas talvez sem tanta certeza, que dias melhores estão a caminho.

Pedro H Ribeiro
Enviado por Pedro H Ribeiro em 13/05/2022
Código do texto: T7515624
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