Conto do vigário 🔵
Um sujeito deixou cair, acidentalmente, um maço de notas bem na minha frente. Vou iniciar novamente, porque a história não é bem assim. Este início seria como a vítima deveria interpretar o incidente.
Recomeçando: O picareta largou, propositadamente, uma imitação de pacote de dinheiro (parecendo muito) no meu caminho. O comparsa, apressadamente, se aproximou, apanhou a “grana” e, arregalando os olhos para me impressionar, disse:
— Olha! Ele deixou cair!
Claro, o truta estava querendo que eu caísse na dele.
Não sei (nem me interessa saber) o que exatamente os motivou a me elegerem a vítima perfeita: rico, ganancioso ou matuto. Podem ter sido as três características. Como erraram nessas avaliações, o golpe não foi bem sucedido. Como já disse, não me interessa descobrir como desenvolveriam o golpe do maço de dinheiro falso. Sempre desenvolvi estratégias de como ganhar dinheiro honestamente.
Pois bem, concomitante a tentativa de me impressionar, eu respondia ao larápio de forma desapegada, irônica e quase monossilábica. Meio que saindo, desejando boa sorte e demonstrando total desinteresse na suposta bolada, frustrei o malfeitor. Demorou, mas o gatuno considerou que a abordagem não renderia frutos. Fim de expediente, “cliente” mal escolhido, era hora de desistir e ir embora.
O “Conto do Vigário” (origem do termo vigarista) é uma atividade criminosa muito antiga. Confesso que participei daquilo (até onde pude) com curiosidade antropológica, quase uma volta num passado paulistano, época em que, com o êxodo rural ou as imigrações, os caipiras ou os imigrantes desembocavam na cidade grande, respectivamente.
Os sinônimos, antigos, quase em desuso, para aludir ao criminoso são propositais. Achando a cena improvável, pitoresca e teatral, participei do conto como quem interpreta um papel na peça da escola. Observei tudo, com a “expertise” de quem havia lido muito sobre “contos do vigário” e notórios ladrões, exemplos: o conto da guitarra elétrica, bilhete premiado, lote na Lua, Pirâmide de Ponzi, Carlo Ponzi, Gino Amleto Meneghetti, Bandido da Luz Vermelha etc.
Depois da volta ao passado, da inesperada imersão em algo que eu só via em livros antigos, uma viagem na Terra da Garoa, na São Paulo da primeira metade do século XX, achei que estava indo longe demais, afinal eu estava lidando com um fora-da-lei. Só não fui à delegacia porque temi encontrar um delegado com lupa e cachimbo.
Na subida da avenida São João, olhei para trás. Os dois pilantras estavam confabulando, deveriam estar dividindo a féria do dia. Tudo terminou como suspeitei, conforme o que havia lido.