RESTOS DE UMA SEGUNDA FEIRA, TRÍVIAL.
Tem noites em que eu não respiro. Fico numa espreita, me pergunto como começam os dias ruins e o que de tão caótico poderia acontecer dentro de dias que são, em sua maioria, triviais. Faz algum tempo, ando procurando entender a forma de ser ou a que se é durante os dias que vão seguindo. O tempo é lento, mas a quantidade de perdas; bem, não existe uma redução de danos. O tempo cria essa ideia de afastamento, apenas, uma certa distância dos fatos, porque lembrança também é passiva a esquecimentos. Um dia, uma tarde você se encontra sentando na frente da sala de aula, sentindo o horror da adolescência, pensando absurdos, “Eu nunca vou transar com ninguém”; “Eu sou esquisito demais para ter amigos”, porém, o engraçado é que você tem amigos na escola, é como "Stand By Me", não a música, ou também a música, sobretudo, digo a respeito do filme...
Depois, bem, isso parece distante, o dia, o instante, a sala de aula, a cara das pessoas, você já nem consegue reconstituir alguns rostos; tem pessoas perdidas e encasteladas num buraco de minhoca dentro da cabeça; e aí começa, talvez, o seu dia ruim. Pensar sobre o que já se teve, essa tendência de voltar e buscar ir de reencontro a uma versão de você que não existe; um buscar sensação que nem se explica, porém, a essa ausência possa chamar de nostalgia. O tempo demarca umas impossibilidades e umas falhas até quando se tenta se comunicar consigo mesmo, essas inquietações, esse estar acordado, esse meio de madrugada...
Perder não é algo vantajoso. Isso é óbvio, no entanto, eu fico me perguntando, como que a gente não se dá conta desse processo contínuo de perdas que se dão com o tempo. Olho fotos antigas e penso repentino se alguém também fica nessas mesmas inquietações que eu. Por que é tão difícil a gente se comunicar com o outro?
Hoje foi um dia pesado, eu permaneci em tantos silêncios e me perdi entre eles e fiquei amiúde. Senti raiva porque queria ser percebido, senti raiva porque queria alguém com algum tipo de disponibilidade, um sentar ao lado e ouvi-me uns quinze minutos, nem se trata de tanta coisa, não se trata de absolutamente nada, de certa forma, a certos modos, o jeito pelo qual se conta algo; sim, os dias e suas consequências e nunca a nos isentar de nada...
Dias ruins, hoje foi um desses. Sentar na sala e ainda assim a necessidade de outro lugar, sentar na sala e perceber o modo pelo qual o percorrer desse tempo já me demarcou com uma série de perdas. As pessoas que atravessaram o meu caminho e chegaram em mim, de alguma forma. Parece estranho, mas não é tão óbvio quando algo vai se perdendo, tornando-se diferente do habitual. E pode ser bom. Pode ser ruim...
Eu penso que de qualquer modo é ruim, até lembrar do que marcou e foi bom. Ou talvez seja apenas meu estado de espírito. Meu ridículo estado de espírito...
Das pequenas coisas que eu queria que tivesse acontecido hoje, a principal, era apenas me sentir cuidado, uma atenção, a percepção de que outra pessoa também reside nesta casa. Porém, ao mesmo tempo – eu não sei se soa pedante – eu entendo a não disponibilidade; algumas relações, ao se perderem um pouco, vão se transformando em convivências; além dos fatos sobre aquelas questões das coisas que se perdem com o tempo, do que vai sofrendo erosão, e leva ao desconhecer até de um amigo; já não é...
E tudo bem...
Então, o fato é que eu, você, as pessoas, a gente precisa, ou pelo menos, hoje, eu precisava me sentir... sentir que tinha alguém comigo, eu queria poder fazer como naquelas séries, aqueles diálogos trocados por amigos ao fim de dias ruins e trilha sonora indie com a câmara pegando ao fundo a visão de qualquer imensidão...
E nada disso é real porque perdemos a comunicação, você, eu, todos nós; especificamente você e eu. Portanto, fico me transportando para um tempo antes de você. Pessoas e suas bebidas, pessoas e seus cigarros, pessoas e seus deveres de casa, almoço na casa da minha tia aos sábados, filme de terror no sábado, novelas mexicanas e o primeiro cigarro ou um livro de anos atrás, pequenas memórias, não as perder chega a ser milagre, porque, nesses dias de tanta exaustão e do cansaço quando nossa fatal e fadada e exaurida falta de comunicação desce, ao menos trago comigo pequenos pedaços de um outro que já fui e que gostava de ser...
Olhando do alto desse sofá, que a propósito, é confortável, da altivez negacionista advinda com a idade, da cabeça de uma pessoa que não deu tão certo nessa coisa de viver, eu, olhando para o tempo de antes invejo aquele outro de sonhos, de não saber como ao mesmo tempo que conseguia seguir por algum caminho. Agora, o que me tornei hoje é impossibilitado, enfadado e cansativo...
Pessoa é reflexo de gente por onde até se pode se enxergar e notar esses envelhecimentos. E eu não gosto de espelhos; percebo no modo como o silêncio dominou todo nosso trajeto enquanto voltávamos, ou a forma pela qual o silêncio se perpetua nesse sofá...
Por fim, a palavra “silêncio” parece já fazer parte das minhas considerações sobre o que nos erámos e o que nos tornamos, e poderia até escrever todo um texto com embasamentos e apontamentos acerca do nosso silêncio e como ele nos perpetuou a esse vazio que você ainda insiste em chamar de amizade...
Porém, quanto aos dias ruins, alguns até terminam interessantes. Ainda sobre hoje; após toda nossa caminhada em eterno silêncio, chegamos e os meninos estavam fumando maconha no jardim, então eu abri a porta, e quando todos estavam acomodados na sala, achei que talvez deveríamos fumar outro baseado...
E aconteceu que entre as coisas que todos eles falavam e até você dizia, um rapaz, desconhecido, amigo de um dos meninos, disse que estavam indo embora para o Mato Grosso e falou de ter passado o dia em despedidas, disse também que estava cansado, precisava ir embora...
Então, ele disse que apesar de tanto cansaço e pegar uma moto emprestada, o dia tinha sido bom pelo fato dele ter se sentido querido pelas pessoas, com tantas despedidas. É, o ponto alto do meu dia foi esse, porque eu só concordei com o rapaz e fiquei pensando se você tinha prestado atenção nisso e se eu deveria comentar algo depois...
Enfim, o rapaz tinha razão, foi bom saber que alguém também pensa assim... ou que alguém também sente que precisa de afeto, como esse rapaz deixou a entender...
Desejei boa viagem ao rapaz, ele falou que iria ficar cinco anos no Mato Grosso, o coitado ia embora amanhã, já que a polícia estava procurando por ele, pois ele vendia maconha.