Olhos d'água
Eu rodava pela estrada. Ia para o leste e no oeste deixava uma bola de fogo beijando o chão, explodindo em cores de muitos tons de vermelho, próprios do mês de maio. Quantos sóis já me encantaram, como esse de hoje... O retrovisor me roubava a atenção, mas a beleza também estava à frente, com os barrancos vermelhos das terras de Luz e os roçados de vários tons de verde. Mas foi ver uma árvore do cerrado que não sei o nome, cuja copa deitava seus finos troncos para baixo, tão entregues à gravidade, tão rendida, tão murcha, que eu disparei a chorar. E quanto mais doía em mim o choro, mais eu chorava. É horrível chorar enquanto se conduz um auto. Mais horrível ainda chorar à toa... e pensei: rompeu a barreira do juízo e a água despejou-se, caudalosa, nos olhos-d'água. Mas, no fundo de mim, bem no fundo donde se tira petróleo, eu bem sabia a razão da dor, que ficou aguada. E nas feridas do coração, o sal da lágrima fez doer ainda mais a minha dor...
(É que o poeta sofre tanto, que em cada canto da palavra, põe seu sofrer, seu penar. ~ Cassiå Cāry'ne)