Mãe com mel
A regra é clara. Amor só o de mãe. Mas, como toda regra tem exceção, também podemos dizer que amor só existem dois: o de mãe e o de vó. O resto, a metafísica, a filosofia barística, a ioga, a inflação, a ponte Rio-Niterói, o PIB, o PIX e demais siglas são apenas distrações. Amor mesmo, só o de mãe e o de vó, que é um tipo de amor mais evoluído e contemplativo.
Enquanto o amor de mãe é operacional, diligente e ativo, o de vó é contemplativo e permissivo. Na casa e presença de vó, podemos exercer nossas mais terríveis traquinagens sem receio de graves punições; podemos ser nós mesmos, despidos de qualquer gravidade, e ainda assim agradá-la satisfatoriamente; podemos exercer nossa política, colocar em prática nossos projetos pueris, dizer palavrão às vezes, exagerar nos doces sempre, que vó não fica brava não. Vó está em tempo integral voltada à nossa presença física, e não necessariamente preocupada com nossa orientação social, política e laboral.
Vó é muito semelhante a uma mãe com mel, só que mais doce, afável, bonita e legal. Se, como dizem, mãe é a presença de Deus na Terra, vó é a efetivação dessa presença.
Posso até negar a existência de Deus, mas não a de vó. Vó existe, e posso provar. A minha tinha um metro e meio de carisma, cor predileta azul, doce favorito mamão, analfabeta formal, graduada nas coisas do coração e excelente jogadora de chimbras. Graças a seus ensinamentos, na rua em que moro, na época em que o asfalto era de barro, me tornei um dos jogadores mais habilidosos e temido nessa arte, que exerci até minha mãe descobrir que as chimbras me fascinavam mais que as lições de álgebra e conjugações verbais.
Quando penso no Dias das Mães, inegável não lembrar o Dia das Avós. É uma pena nosso calendário nacional não prever o Dia das Avós. Acho que deveríamos ter o Dia das Avós, um dia que necessariamente não fosse comemorado em um domingo, porque domingo já é um dia socialmente dedicado ao descanso, à folga. Seria redundante se caísse em um domingo.
O dia ideal para celebrar o Dia das Avós seria uma segunda-feira, dia secularmente muito chato, e que fosse considerado feriado nacional, em que as máquinas parassem todas, menos as indispensáveis à sobrevivência da humanidade, e que fosse um dia em que restabeleceríamos a fé na Humanidade. Um dia em que não haveria expediente bancário, em que nas ruas e nas cidades não haveria nem tráfego nem tráfico, em que o único trânsito nacional seria o de abraços, doces e guloseimas. Porque a regra é clara, amor só existem dois: o de mãe e o de vó: o de mãe com gosto de preocupação e orientação socioespacial; e o de vó com sabor de eternidade.