O JULGAMENTO INSTITUCIONAL. O JULGAMENTO COMUM. O PERDÃO. CORRUPÇÃO.

“1-Não julgueis, para que não sejais julgados. 2- Pois segundo o juízo com que julgardes, sereis julgados; e com a medida que tiverdes medido, vos medirão também a vós.” Mateus, Cap. VII, 1/2.

Cristo chamou Mateus para ser um dos seus, embora fosse um cobrador de impostos, quem auxiliava o império romano contra sua própria gente. O fato causou estranheza entre os fariseus. Quem converteu um cobrador de impostos em seguidor nos mostra que a atitude fundamental da vida só pode ser o perdão.

Então todos devem ser perdoados?

E a justiça que julga institucionalmente, os magistrados, podem ou devem ser perdoados, pelo Senhor, se erram em consciência?

É uma envolvente indagação, mas ela se dirige ao arbítrio do Senhor. Fosse Deus perdoar a todos, como ensinou seu filho Cristo, não instituiria os Juízes no Deuteronômio.

O perdão é circunscrito à gravidade da falta, e Mateus proclamou, indicando, que só Deus e seus convocados para a missão poderiam julgar seus servos com esta faculdade, e estes, pela missão, se há desvios, mais pagariam, e Ele julgando a tudo e todos na amplidão dos tempos.

Julgar, institucionalmente, para uns é missão difícil, valorar vidas e condutas vividas, conflitos, para outros, encargo de fácil desempenho. Não vacila o forte de personalidade, faz parte de seu ser o senso de justiça, daí sua convocação. Seu interior abriga a verdade e a independência para dizer o direito, o “que é devido a cada um”.

Toda vocação seja qual for, sempre parte de Deus, é dom divino para todos os pecadores, para todos que se reconhecem imperfeitos e limitados, limitados à humildade, distantes da arrogância, mas firmes em seus desígnios que apontam sempre para o bem.

A imparcialidade deve presidir o julgamento pelas normas que a sociedade, o grupo, traçou como certo e errado. E o certo ou errado são conceitos visíveis pelo homem comum através de sua consciência, aprendi isto muito cedo.

Sendo assim, muito mais pelo juiz que julga em nome da sociedade, convocado por Deus. Qualquer seja o julgamento, em qualquer instância, originado da convocação das forças superiores, mínima seja sua influência, deve seguir a imparcialidade.

Mateus se dirige para julgamentos particulares, julgamento diverso do oficial, não sujeito à coerção, punição, em todas as suas modalidades.

O julgamento oficial é diverso, feito por todos na escolha de alguns para esse mister; os magistrados. Neles galvaniza-se a vontade social, por representação indireta, em princípio a vontade de uma nação esculpida na lei.

São poucos os julgadores proporcionalmente, em termos demográficos, julgadores dos semelhantes por convocação natural e social, preferentemente, pessoas eticamente incensuráveis, escolhidas através de rigorosa seleção; é enorme a missão, e quando exercida com honra, traz o céu para a terra na forma de distribuir justiça, enriquecendo gigantescamente o interior de quem pode participar dessa honra e indescritível privilégio humano; fazer justiça.

Pela falibilidade humana há incidência em erros, embora almejando o julgador probo, praticar a mais correta justiça, distante da erronia e principalmente da parcialidade. Não são em vão reverências e reconhecimentos prestados à magistratura. O magistrado é a lei viva, incorpora a vontade ética social. Fugindo o magistrado de seus deveres, estamos diante da maior das chagas sociais. Representa o depositário de todos nossos direitos e reserva de nossas garantias. Como diz São Paulo em suas “Cartas”, os magistrados enquanto oficiarem nesse alto múnus para o qual foram chamados com proficiência, ou seja, retidão e eficiência, estão abaixo de Deus e acima dos homens.

Quem desse alto patamar social para o qual foi convocado em tão nobre missão, concorrer para esvaziá-la, com mais penitência pagará suas culpas. Por julgarem é que serão julgados com maior severidade. Por isto, se estão nos tribunais em plano mais alto, é para que sejam mais vistos e também julgados permanentemente pelo que julgam. Sua figura destacada está em permanente julgamento.

Sob esse ângulo não há perdão para aquele que se desvia de sua alta função ausente de probidade, está somente nas mãos de Deus cujos desígnios não alcançamos.

No Deuteronômio, um dos cinco livros do Pentateuco, os livros de Moisés, obriga a missão de inestimável independência.

Diz, no 16, na “Instituição de Juízes”: “Estabelecerás juízes e magistrados a todas as portas que o Senhor, teu Deus, te tiver dado em cada uma das tuas tribos, para que julguem o povo com justo juízo, sem se inclinarem para uma das partes”.

Passamos visíveis descompromissos quanto ao último princípio.

A melhor definição do direito, conhecida até hoje, sucinta, do festejado romanista, Rudolf Von Ihering, “o direito é interesse protegido pela lei”, interesse econômico e moral, o primeiro material, objetivo, o segundo imaterial, subjetivo.

Sem generalizar, mas acentuando a sombria atuação desse ator que cria as leis para desobedecer as mesmas, o legislador, desponta o que se denominou política. Mas há um outro ator a que se entregam as leis para interpretá-las e aplicá-las e, principalmente, fazê-lo com total isenção; o Juiz.

Os Juízes no julgamento oficial representativo, pois representam a sociedade, devem ser duros com os desvios de conduta em cargo público. Não é o que se vê, se manifestam em questões que irão julgar na mídia, quando a LOMAM (Lei Orgânica da Magistratura) e os códigos vedam terminantemente. E nada acontece.

Os corruptos são criaturas hediondas, de baixíssimo caráter, originários do que existe de pior na natureza humana em ancestralidade, são algozes da coletividade na ganância de acumular.

É bom lembrar Nietzsche indagando sobre “Que é felicidade?”, respondendo com conceito que se adapta integralmente a essas personalidades, como sendo “o sentimento daquilo que aumenta o poder, de haver superado uma resistência; não um contentamento, mas um maior poderio; não a paz em geral, mas a guerra; não a virtude, mas a habilidade.” E o Juiz corrupto é a pior peçonha.

Qual a razão da explanação? Reflexão sobre o perdão de que fala Mateus, para todos que se inclinam pelo credo cristão, de que devemos compreender e ter comiseração com os doentes da alma e do corpo, e não julgá-los, doentes que são, mas sermos rigorosos com os que julgam institucionalmente, como creio, será o Senhor.

Mas não se espere dos magistrados sua sujeição a clamores públicos, desconhecendo a massa as intrincadas oficinas do direito como ciência, não se apresentando possibilidade hígida e também isenta avaliação.

Se aos clamores públicos se sujeitam os magistrados, também assim, atuam sem proficiência. Mas que não se conduzam os magistrados, no julgamento oficial de corruptos, com tibieza, parcialidade ou interesse de corporações, logo que essa não é a vontade de Deus.

Quem tira o coletivo do semelhante e retém para si, quem não distribui justiça e para isso foi convocado, “dar a cada um o que lhe é devido”, deve ter a pena legal exacerbada ao máximo como exemplo a não ser seguido.

Dos juízes, dos julgamentos oficiais, se crê na máxima correção, mas merecem o maior rigor punitivo todos os homens públicos, e os próprios magistrados, se desviados desse padrão, nunca perdão.

Embora Cristo tenha advogado o perdão, não há como ter compaixão ou comiseração de quem retira dos necessitados o mínimo, e não há como perdoar-lhes como sinalizou Mateus, perdão que se destina ao julgamento coloquial.

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PARTES DA "ORAÇÃO AOS MOÇOS". Rui Barbosa.

"Todo pai é conselheiro natural. Todos os pais aconselham, se bem que nem todos possam jurar pelo valor dos seus conselhos. Os meus serão os a que me julgo obrigado, na situação em que momentaneamente estou, pelo vosso arbítrio, de pai espiritual dos meus afilhados em letras, nesta solenidade.

E à magistratura que vos ides votar?

Elegeis, então, a mais eminente das profissões, a que um homem se pode entregar neste mundo. Essa elevação me impressiona seriamente; de modo que não sei se a comoção me não atalhará o juízo, ou tolherá o discurso. Mas não se dirá que, em boa vontade, fiquei aquém dos meus deveres.

Moços, se vos ides medir com o direito e o crime na cadeira de juízes, começai, esquadrinhando as exigências aparentemente menos altas dos vossos cargos, e proponde-vos caprichar nelas com dobrado rigor; porque, para sermos fiéis no muito, o devemos ser no pouco.

Ponho exemplo, senhores. Nada se leva em menos conta, na judicatura, a uma boa fé de ofício que o vezo de tardança nos despachos e sentenças. Os códigos se cansam debalde em o punir. Mas a geral habitualidade e a conivência geral o entretêm, inocentam e universalizam. Destarte se incrementa e demanda ele em proporções incalculáveis, chegando as causas a contar a idade por lustras, ou décadas, em vez de anos.

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.

Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato.

Não vos pareçais com esses outros juízes, que, com tabuleta de escrupulosos, imaginam em risco a sua boa fama, se não evitarem o contato dos pleiteantes, recebendo-os com má sombra, em lugar de os ouvir a todos com desprevenção, doçura e serenidade.

Não imiteis os que, em se lhes oferecendo o mais leve pretexto, a si mesmos põem suspeições rebuscadas, para esquivar responsabilidades, que seria do seu dever arrostar sem quebra de ânimo ou de confiança no prestígio dos seus cargos.

Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos.

Preservai, juízes de amanhã, preservai vossas almas juvenis desses baixos e abomináveis sofismas. A ninguém importa mais do que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer covardia. Todo o bom magistrado tem muito de heróico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema, senão da outra justiça, assente, cá embaixo, na consciência das nações, e culminante, lá em cima, no juízo divino.

Não tergiverseis com as vossas responsabilidades, por mais atribulações que vos imponham, e mais perigos a que vos exponham. Nem receeis soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder. O povo é uma torrente, que rara vez se não deixa conter pelas ações magnânimas. A intrepidez do juiz, como a bravura do soldado, o arrebatam, e fascinam. Os governos investem contra a justiça, provocam e desrespeitam a tribunais; mas, por mais que lhes espumem contra as sentenças, quando justas, não terão, por muito tempo, a cabeça erguida em ameaça ou desobediência diante dos magistrados, que os enfrentem com dignidade e firmeza.

Haja vista a história, que nos conta um pregador do século XVII.

"A todo o que faz pessoa de juiz, ou ministro", dizia o orador sacro, "manda Deus que não considere na parte a razão de príncipe poderoso, ou de pobre desvalido, senão só a razão do seu próximo...Bem praticou esta virtude Canuto, rei dos Vândalos, que, mandando justiçar uma quadrilha de salteadores, e pondo um deles embargos de que era parente d'El-Rei, respondeu: Se provar ser nosso parente, razão é que lhe façam a forca mais alta".

Bom é que os bárbaros tivessem deixado lições tão inesperadas às nossas democracias. Bem poderia ser que, barbarizando-se com esses modelos, antepusessem elas, enfim, a justiça ao parentesco, e nos livrassem da peste das parentelas, em matérias de governo.

Não militeis em partidos, dando à política o que deveis à imparcialidade. Dessa maneira venderíeis as almas e famas ao demônio da ambição, da intriga e da servidão às paixões mais detestáveis.

Não cortejeis a popularidade. Não transijais com as conveniências. Não tenhais negócios em secretarias. Não delibereis por conselheiros, ou assessores. Não deis votos de solidariedade com outros, quem quer que sejam. Fazendo aos colegas toda a honra, que lhes deverdes, prestai-lhes o crédito, a que sua dignidade houver direito; mas não tanto que delibereis só de os ouvir, em matéria onde a confiança não substitua a inspeção direta. Não prescindais, em suma, do conhecimento próprio, sempre que a prova terminante vos esteja ao alcance da vista, e se ofereça à verificação imediata do tribunal.

Por derradeiro, amigos de minha alma, por derradeiro, a última, a melhor lição da minha experiência. De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas cinco palavras: Não há justiça, onde não haja Deus."

As últimas advertências bem próprias para esse Brasil maltratado.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 07/05/2022
Código do texto: T7511209
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