GARÇOM: POR FAVOR: UMA DOSE DE POESIA!

“Meu verso é minha consolação.

Meu verso é minha cachaça.

Todo mundo tem sua cachaça. ”

(Carlos Drummond de Andrade)

“Embriaga-te sem cessar!

Com vinho, com poesia,

ou com a virtude, a teu gosto."

(Charles Baudelaire)

Ler é como afirmou o poeta argentino Jorge Luís Borges: “uma forma de felicidade!” E, ainda acrescento: um meio de libertação, porque nos proporciona uma nova compreensão da realidade. Embora a situação seja a mesma, a nossa forma de enxergar, de lidar com o problema mudará. A leitura, portanto, nos conduzirá a novos caminhos, buscar outras alternativas, a nos reinventarmos. Como dizem os versos de Cecília Meireles: “A vida só é possível reinventada”.

A literatura é transdisciplinar. Envolve vários campos do saber como: filosofia, história, psicanálise, mitologia, o que contribui para a compreensão dos conflitos existenciais, como a busca do amor, lidar com a separação, rejeição, solidão, com escolhas na vida, enfim, nossos conflitos existenciais, para os quais a escola como instituição não nos prepara.

Certa vez, li uma matéria dizendo que os filósofos queriam clinicar, e de uma forma bem inusitada: os clientes seriam atendidos numa mesinha de bar. Na época, o texto causou grande polêmica Hoje, podemos ver muitos filósofos “clinicando” em consultórios, dando cursos. Um exemplo é a filósofa brasileira Viviane Mosé que enfrentou preconceitos no universo acadêmico, mas seguiu em frente com seu projeto singular. Hoje, é a filósofa predileta de grandes artistas e atende em seu consultório atrizes famosas. E o interessante é que entre os seus mestres estão os psicanalistas Chaim Katz e o sambista Martinho da Vila. Outro grande exemplo é o do filósofo suíço Alain de Boton, que tem um projeto audacioso, o qual é ministrar cursos para as pessoas lidarem melhor com os conflitos existenciais. Assim, ele indica as leituras de Proust, Baudelaire, entre outros grandes autores. Na sociologia, o escritor Zygmunt Bauman defende a literatura como forma de compreensão da condição humana e ataca os “muros da academia” e a alienação dos intelectuais. Para ele, a grande meta é alcançar uma gama de pessoas comuns que lutam para serem cada vez mais humanas num mundo cada vez mais desumano, cujo medo maior é o de serem jogadas no lixo!

Como amante da literatura, tenho vivenciado essas situações na prática. Meu telefone de vez em quando toca e sempre é um amigo me chamando para bater aquele papo “filosófico-literário”. Nós marcamos um encontro para tomar cerveja, uma cachacinha e conversarmos. Um tempo desses eu e um amigo estávamos atravessados pela angústia. Ambos vivenciávamos a dor da separação. E não deu outra: de repente tínhamos tomado um porre de filosofia, literatura e cerveja. E ele citando o poeta Thiago Medeiros me perguntou:

- “O que eu faço para parar de me doer?”

- Gosto muito do poema “Canção de amor às palavras”, de Jeanne Araújo. Talvez seja essa solução para se parar de doer: “Dei para pisar em tudo que me fere:/espinhos, cacos de vidros, /estilete, coroas-de-frade./Só não pisei as palavras/porque me estancaram o sangue.”

- Poema que te pariu, cara! Gostei! Viva a Poesia, amigo!

Já madrugada, pagamos a conta. E na companhia da lua, seguimos para nossas casas cheios de desejos e solidões.

Outro momento foi com uma turma de amigos. Digamos que foi uma terapia em grupo. E de repente, em nossas mesas estavam João Andrade, Nietsche, Beth Milanez, Ana Carolina, Drummond, Théo Alves, Iara Carvalho e Cefas Carvalho, Ozany Gomes, Cláudio Wagner, Adélia Costa. A nossa dor pulsava tanto que silenciamos e ficamos a escutar a bela interpretação de Ney Matogrosso: “A tua boca anda oca/ Da minha língua/ Da minha língua/ A minha língua anda à míngua/ Sem a tua boca/ Sem a tua boca. ” E em meio à canção, vem Ulisses, personagem do livro “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector, cuja voz ecoava: “se deve viver apesar de. ”

Em meio à embriaguez, uma amiga bem performática, levanta-se e grita versos de Marina Rabelo: “eu vou rimar cicatriz/ com meretriz/ pois quando você foi embora/ eu fiquei puta/”. Caímos na risada! Eu me levantei e recitei um verso de João Andrade: “O amor me perguntou se eu era feliz,/ mostrei-lhe a cicatriz”. E para finalizar a noitada literária recitamos José de Castro: “por onde passa o poeta/ deixa uma seta/ uma curva, / uma reta/uma encruzilhada,/ onde o coração/ decide o rumo/ dos seus passos/ E o poeta/ afaga os versos/ e reinventa/ os descaminhos/ da jornada./ Segue em frente/ desnudo/ inteiramente/ sem destino.”

Depois daquele bate papo, sentíamo-nos mais leves, porque a fala cura, a leitura liberta. Foi terapêutico, humano, poético, liberta_dor. Afinal, poucos são os que querem escutar os nossos lamentos, não têm muita importância... Afinal, “a nossa dor não sai no jornal”.

Na despedida, decidimos que iríamos marcar uma reunião para a criação de um Clube Literário e o livro mais cogitado estava sendo “A mesma fome”, de Marize Castro. Erguermos os copos num brinde:

- “Tim-Tim: a nossa vida é um litro aberto”.