Sobre exagero

Fiquei triste e nunca me envergonhei da tristeza. Há alguns dias não durmo bem, perseguida por um inconsciente que sempre é duro comigo. Quando durmo sou atormentada por pesadelos sufocantes. Outra noite, com medo de ser baleada, saí da cama de joelhos e acordei já na porta, fugindo.

Não lembro o que sonhei noite passada (talvez por sorte). Mas sei que custei a dormir. Um pouco teve a ver com a uma dorzinha insistente que cativo, mas outro tanto com pensar demais. Com tentar entender e não conseguir e me ver perdida no que não foi dito. E como os não ditos fazem buraco, é duro lidar com eles.

É exagero. Claro que é. A história nem é tão recente e eu fui alertada de saída. Mas vivo de expectativas, já disse, sou só uma menina boba. Boba e louca para ter alguém mais perto, alguém pra ficar bem perto. Porque eu aprendi que carinho é bom. Que abraço deixa a gente mais feliz e que beijo assopra as dores.

É que eu nunca tinha conhecido alguém que também achava livros e ideias mais importante que status e um sobrenome. Nem que tivesse tanto entusiasmo e paixão ao falar sobre a vida, desde um jogo a teorias mirabolantes. É que eu nunca tinha encontrado alguém que fosse tão talentoso: toca, canta, pinta, desenha e muitas etceteras. E nem nunca tinha encontrado um cara que me fizesse ficar sem ter o que dizer ao mesmo tempo em que fosse capaz de passar muitas horas conversando, gostando da minha companhia e tivesse percebido o quanto eu gosto do céu, de sorvete e de ouvir musica como se não houvesse amanhã. É que eu nunca tinha conhecido um homem que chorasse ouvindo aquela canção do "Calle 13" e se emocionasse com detalhes e crianças. É que eu nunca tinha encontrado alguém que não fizesse exatamente aquilo que eu queria e ainda assim mexesse tanto comigo, a ponto de eu aceitar essa "desobediência".

Eu poderia falar sobre um monte de defeitos, mas pra quê? Falar a respeito vai me ajudar a dormir melhor à noite? A pegar rapidamente no sono sem pensar no que será que aconteceu? O que é isso que ficou para mim como um hiato? Justo eu que prefiro sempre a dureza, a aspereza da verdade e das palavras mais duras do que o vácuo que um silêncio provoca, tô aqui, sem saber.

Sou só uma menina boba. Uma menina boba que fez do pouco tempo e dos pequenos gestos grandes expectativas e que acreditou de tal forma nelas que quando elas caíram, foi junto. E sentiu-se mal por saber que perdeu alguém muito caro (mas como perder o que nunca se teve?), parecia alguém que estava ali há muito tempo, alguém de quem vai sentir falta. É que vai mesmo sentir falta. É que faz sentido. É que acontecem coisas no dia que ela queria ligar pra contar. Mas não pode mais.

"Vida que segue", eu digo. Digo para mim como uma mãe diz pra uma filha cujo coração foi partido pela primeira vez. "Vai passar", eu repito (mesmo secretamente sabendo que não passa nunca, que essas histórias são marcas que retornam e retornam e retornam), "dê tempo ao tempo, saia com tuas amigas, deixa eu fazer um chá para você". E me repito tudo isso tentando cuidar de mim, pegando aquilo que eu consegui, pegando aquele meu troco de volta, o troco da diferença entre o que eu queria e o que ele podia e queria me dar. Enfio o troco em algum lugar e volta e meia sinto o peso dele no meu bolso.

Mas eu tenho um filho para criar, projetos para concluir, uma vida pra seguir. Sei que é exagero. Sei que não é pra tanto. E sei que não estou morrendo, mas algo morreu. Morreu uma parte aqui dentro, uma parte bonita. Morreu uma idéia bonita e a morte de uma idéia bonita é o que eu posso chamar de tristeza.

E quem quiser me chamar de exagerada, à vontade. Nunca tentei convencer ninguém do contrário.

Baby Cake
Enviado por Baby Cake em 06/05/2022
Reeditado em 06/05/2022
Código do texto: T7510358
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