Guerra em Família

 

Fazia muito tempo que eu não via Aurora, uma coleguinha do ginásio de quem o tempo já levara consigo toda a beleza, ou quase toda, deixou-lhe uns dez por cento, talvez, o que ainda lhe serve como prova de que fora uma linda mulher.

     Encontrei-a num shopping, na semana passada. Sentamo-nos em um café e conversamos muito.

Estava muito preocupada, estava com uma guerra em família. Quase uma guerra, é bem verdade: É obvio que não usavam armas e nem tão pouco brigavam de socos e ponta pés, não "saiam na mão grande" como dizíamos quando meninos, mas eram por si sós verdadeiros tanques de guerra, espíritos pesados que não tinham freios para atingir seus objetivos, passavam por cima da fé e da moral.

   Era, portanto, uma guerra de desacatos e desaforos, alforriados que ainda não estão do ávido desejo de serem ricos, sem fazer o menor esforço; dessa riqueza banal, de bens materiais, que jamais o usufruirão com pleno deleite, graças ao adiantado da hora de partir, por força dos ditames da natureza impiedosa, ou quem sabe, muito piedosa, que lhes obrigará a largar o corpo num buraco para alimento dos vermes, ou que o tornarão entediados sem saber como usufruí-la convenientemente.

    Contou-me Aurora que, outrora, fora uma família muito feliz: católica apostólica romana, composta por dez irmãos e irmãs, batizados, crismados e feitos primeira comunhão; casados na santa igreja católica, e que se prezavam muito, eram compadres e afilhados entre si, tios e sobrinhos, que se pensavam afinados entre si, até o trágico acontecer e a orquestra desafinar.

     É que daquela pobre família de classe média, uma irmã se despontou como a preferida de um comerciante, e com ele casou-se, e viveram bem; todos comentavam. Pena que não tiveram filhos.

     Faz pouco tempo que o comerciante morreu, já velho, e a esposa ficou, abatida pelo sentimento e pelos anos cumpridos de sua missão terrena.

     A família enlutada chorou, chorou desesperadamente, se esvaiu de chorar, mas logo enxugou os olhos para que ficassem bem abertos e espertos, e foi aí que a guerra começou.

     Primeiro uma guerra fria, disse-me Aurora: mentiras e calúnias, cartas apócrifas e outros expedientes similares; depois cercaram a viúva, como se sitiassem uma cidade, com malignas táticas psicológicas, tendentes a arrebatarem dela o poder de decisão, ainda em vida.

    Logo a viúva morreu, sentindo o desamparo da família; somente Aurora lhe dedicava atenção, e a guerra que era fria passou a ser declarada. Todos queriam administrar o espólio. Declaram guerra a Aurora.

    Contou-me Aurora, chorosa, mas cheia de brios para enfrentar a luta, que ela sempre fora a preferida do velho casal e, como tal, a natural administradora do espólio, mas que os outros irmãos e irmãs não se conformavam. Eram muitos bens, muitas fazendas, muitos prédios comerciais, muito dinheiro em banco, muito gado e muita inveja. Cada um queria escolher o melhor para si.

    Nos despedimos, e, depois de toda essa conversa, voltei a observar em Aurora toda aquela beleza que lhe era peculiar na juventude. Logo convidei-a para ser minha amiga no face book, passei a lhe seguir no instagran e gravei o número de seus contatos telefônicos em meu aparelho mobile e marcamos um novo encontro. Ela ficou muito feliz com nosso encontro.

        Guerra é guerra, quem sabe poderei ser um bom soldado.

 

 

 

 

 

 

Luís Bacelar Vidal
Enviado por Luís Bacelar Vidal em 05/05/2022
Reeditado em 05/05/2022
Código do texto: T7509665
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