O inimigo invisível
O ano era 1918 e o mundo fora assolado por uma terrível pandemia: a Gripe Espanhola. Foi um vírus tão devastador que matou mais que a 1ª Guerra Mundial, ceifando a vida de aproximadamente 5% da população mundial da época, ou seja, em torno de 100 milhões de mortos.
Embora “espanhola” no nome, a gripe não deixou de se manifestar aqui no Brasil onde matou milhares de pessoas. Relatos da época confirmam o caos que se instalou no país. O Rio de Janeiro, então capital brasileira, praticamente parou. As fábricas, escolas e quartéis não tiveram como funcionar, pois eram escassos alimentos e remédios. Nos hospitais os leitos eram insuficientes e faltavam caixões para enterro digno aos mortos, que acabavam sendo incinerados ou sepultados em valas coletivas.
Uma das vítimas mais ilustres da Gripe Espanhola foi o Ex-Presidente Rodrigues Alves. Ele já havia sido presidente no período de 1902 a 1906 e conseguiu um novo mandato nas eleições presidenciais de 1918. Acometido pela doença, não conseguiu tomar posse, falecendo em seguida e deixando o cargo para o mineiro Delfim Moreira. Outro nome que ficou em destaque nessa época foi o cientista Carlos Chagas, encarregado de dirigir os trabalhos de enfrentamento da pandemia.
Passados pouco mais de 100 anos, chegamos a uma nova pandemia, o temido Coronavírus, que cientificamente recebeu o nome de Covid-19. Surgiu lá na China e aos poucos foi se alastrando pelo mundo. Em finais de 2019 arrasou a Itália e parte da Europa, chamando atenção para o resto do mundo, onde terrivelmente chegou no início de 2020.
Aqui no Brasil os primeiros casos foram noticiados em março de 2020 e daí em diante os cenários que se instalaram foram cada dia piores. Escolas e igrejas foram fechadas. O atendimento em órgãos públicos foi restringido ou até transferido para as plataformas digitais. Se instalou no país a cultura do home office, ou seja, do trabalho em casa.
No passo que casos do Covid-19 e mortes iam aumentando consideravelmente, foram tomadas medidas mais drásticas. Fechamento do comércio, paralisação do transporte público e toque de recolher. Coisas nunca vistas até então pelos nossos pais e avós vieram a acontecer. Aqui em Minas Gerais, onde a tradição católica é muito grande, além do cancelamento das missas com presença dos fiéis e fechamento das igrejas, foi cancelado todo o centenário e sagrado rito da Semana Santa, a época mais importante na caminhada da Igreja. Ao invés do barulho das matracas nas procissões, o que ressonou foi o silêncio de cada um na sua casa e os sinos mudos nas basílicas, catedrais e capelas.
Dessa vez não só aqueles que se atém ao sagrado sofreram, mas principalmente os que se deleitam no profano. O setor de eventos praticamente se apagou em meio à pandemia. Festas tradicionais da nossa Cultura, como as festas juninas, e também as festas de peão, de aniversário dos municípios, grandes feiras, bienais, festivais, exposições, tudo cancelado. E então se propagou a disseminação das “lives”, os meios culturais sobreviveram na exibição de seus shows e apresentações pela internet.
A economia ficou em frangalhos. Indústria, comércio e serviços ficaram um tempo paralisados e depois tiveram que se adaptar ao funcionamento com a retomada gradual das atividades em concomitância com a pandemia, tomando os devidos cuidados de prevenção e higienização. Mesmo assim muitas empresas tiveram que encerrar de vez suas atividades, o desemprego aumentou acentuadamente e grande parte da população teve que viver temporariamente amparada pelo governo que concedeu o Auxílio Emergencial.
E no auge da pandemia, mais uma vez, assim como no início do século passado, milhões de vidas foram ceifadas no mundo, e tantas mais aqui no Brasil. Os hospitais ficaram superlotados, quase sem condição de atender a todos, pois a demanda por UTI era enorme. E o ano de 2020 foi praticamente todo em função do Covid-19, não existindo nenhum outro assunto mais relevante a ser tratado.
Nunca imaginamos que em pleno século 21 sairíamos pelas ruas e todas as pessoas estariam portando suas máscaras. As expressões mais comentadas no momento, além do próprio Covid-19, são: quarentena, isolamento social, álcool em gel, lockdown, toque de recolher, máscara e “fique em casa”. Essa pandemia veio de certo modo desacelerar o ritmo das pessoas, tornar o indivíduo mais introspectivo. Talvez consigamos sair dessa pandemia com algum aprendizado. Que consigamos pensar mais no bem estar geral do que no nosso próprio umbigo. Que deixemos de ser arrogantes e achar que somos melhores que os outros. Um vírus microscópico foi capaz de matar milhões, de derrubar os poderosos e colocar todos em pé de igualdade.
Quando tudo isso passar. E vai passar. Assim como a Gripe Espanhola de 1918, o Covid-19 de 2020 vai ficar registrado na história como um dos maus momentos pelos quais a humanidade passou. E passando, que fique ainda mais forte, registrado no âmago de cada indivíduo a necessidade de se evidenciar o amor, a união, a paz, a fé, e acima de tudo, a consciência de que só conseguiremos sempre vencer quando cultivamos em essência a solidariedade.
Publicada na "Coletânea 2020 - O Mundo parou!! Relatos do período da Pandemia - Páginas 353, 354 e 355
Editora: PerSe (2020) - Projeto Apparere