Cícero Miranda, meu quintal 🔵
Quem foi Cícero Miranda? Eu joguei e assisti muitos jogos no campo de “várzea” da rua Francisco Gonzaga Vasconcellos, mas só agora tive a curiosidade de saber: quem foi o cara homenageado com o nome do estádio municipal na Vila Galvão, Guarulhos?
Com capacidade para 3.000 torcedores, as arquibancadas, por mais que estivessem cheias, nunca preenchiam sua totalidade. As maiores rivalidades atraíam famílias de jogadores e as “figuras” do bairro. As famílias sempre chegavam com alguém bêbado (ou todos). Durante a partida, as crianças eram recrutadas para buscar mais cerveja no bar; voltavam com uma garrafa de cerveja numa mão e um sorvete, um pacotinho de salgadinho ou uma garrafa de refrigerante na outra mão.
Os jogos eram animados com muito batuque, gritos, xingamentos, brigas e, às vezes, tiros. Ameaçar de morte era comum, não tinha idade para sentir-se encorajado, desde que fizesse parte de alguma família bêbada. Às vezes, no auge da indignação, saia um disparo de arma de fogo. O bandeirinha sofria muito, pois era obrigado a suportar ofensas, piadas e ameaças durante 90 minutos. Com certa frequência, o trio de arbitragem fugia da praça esportiva escoltado pela polícia. Enfim, o que significava, para a torcida, um simples final de semana ensolarado com cerveja e futebol, para a arbitragem aquilo era o Coliseu durante o Império Romano.
Certo dia, uma briga generalizada veio avançando em nossa direção. A expectativa era dramática, pois a turba ameaçava nos sequestrar para uma confusão que não sabíamos sequer o motivo. E o quebra-pau chegando perto. A imagem de instrumentos de percussão e outros objetos voando foi intimidadora, mas tínhamos que tomar alguma atitude: ou entrar na briga ou fugir. Sem saber qual atitude tomar, meu amigo atravessou o tsunami na maior calma, equilibrando um copo de cerveja, saindo incólume do outro lado. Tive que fazer o mesmo.
Se é que dá para dizer, isso era chamado de lazer.
Anos depois, de outra cidade, enviei um e-mail à Secretaria de Cultura de Guarulhos; quando já havia me esquecido, recebi a resposta: Cícero Miranda foi o antigo proprietário das terras do estádio. Mas já não me interessava saber quem foi Cícero Miranda, bastava continuar lembrando do que foi o Cícero Miranda.