Cheiro verde
Abri preguiçoso os olhos nesta manhã, mas eles ainda se repuxavam do sono que não se desfez completamente. Lá fora a bolota celeste sobe vagarosamente as cacundas do São Lourenço para logo mais rolar pelas bandas de cá. Então, levanto-me percebendo essa determinação da natureza e me apresso para ajeitar o figurino, tomar um rápido café da manhã e buscar a movimentada rua para mais uma labuta cotidiana. Desço as escadas do prédio desde o último andar retumbando modestamente o calçado a cada pavimento. Ao sair do prédio, acabo achando ser coincidência meu encontro oportuno com o sol que desceu veloz a Mata do São Lourenço e me saudou com um beijo demorado na face.
Lá na “curvinha esquisita”, já próximo à Casa Lambert, atravesso a rua buscando o resto de sol que me emprestara seu calor para vencer o frio matinal. Uns metros a frente, adjacente à entrada da rua do Lazer, um cheirinho gostoso de verdura fresca perfumava a atmosfera e mesmo a máscara não era empecilho algum para meu olfato aguçado. Inspirei fundo aquela fragrância, inclinei a cabeça para o alto com os olhos já fechados e curti aquele pequeno momento de total satisfação. O cheiro verde que me invadia, muito além de um prazer “hortaliçal”, trazia vastas lembranças do Pito (lá em Iúna) na rua da “Cesan”, da precisão da vovó quando colhia folhas e legumes, da outra vovó quando fazia a mesma atividade com determinação no lote em São Domingos do Norte e nem preciso falar das inúmeras baciadas de salada nas horas muito bem temperadas do almoço.
Esse cheirinho saboroso que dá água na boca relembra também os duros trabalhos sobre a bancada de granito da pia, picotando os maços viçosos de cebolinha e salsinha para conservá-los no congelador. Nessa lembrança recente, os primeiros cortes compartilhavam com a atmosfera da cozinha aquele perfume firme e saboroso. Ora ou outra as folhas já picadas se revoltavam e se esparramavam para fora dos limites da tábua de corte, mas logo eram resgatadas para o repouso nos potes. Devido a saliva que começa a se juntar na boca ao simples fato de o cheiro verde aguçar sem dó a gula, eu apanhava alguns poucos desses matinhos já picotados e lançava o paladar à prova.
O cheirinho verde desta manhã, repleto de histórias, me acompanhou por mais alguns metros na rua até que flagrei a responsável por me entorpecer indiretamente. Eram as mãos de uma senhorinha que firme seguravam um punhado de cebolinha, salsinha, coentro, couve e sei lá mais o quê. Ela entrou por um portão miúdo e venceu as escadarias de um sobrado para mais tarde outra vez preparar um saboroso prato da culinária brasileira.