Não sou do tipo que perde tempo contando estrelas, valha-me Deus! Mas conheço uma gama de pessoas que o fazem e se sentem extremamente realizadas no exercício. Uma terapia, eu diria.

 

Vivencio também um razoável número que aprecia a lua e faz dela a sua musa inspiradora. Com direito a luneta e janela especial, montada para assistir de camarote, as apresentações mensais que dão vida a São Jorge, em seu interior. A Lua Cheia é a preferida dos casalzinhos e dos estudiosos de plantão. Dos espiritualizados também, que plantam em terrenos mentais férteis a ideia de ascenção e supremacia do queijinho cheio de buracos. Mas para contrapor essa supremacia destacada pelo poder da astrologia, a lua é, em alguns casos, devoramente ardilosa. Inconstância natural de uma humanidade que afoga seus conhecimentos em mares diversos. Há os que se baseiam em ciência e ficam saciados, e os que se baseiam em outros aspectos, como a astrologia para endeusá-las.

 

Assim também, em moldes diferentes, estaria a identidade literária: e um lado, os que escrevem e fazem disso um ofício. Do outro, aqueles que escrevem, e fazem disso um orifício. Sim. Uma passagem para visitar mundos inominados.

 

Cá estou, buscando "carne para encher linguiça". Depois que, fortuitamente, li este trecho num livro : "Escrever não é usar palavras difíceis para impressionar. É usar palavras simples de uma forma impressionante" da escritora Sierra Bailey, fui picada pela audaciosa mosca varejeira do entendimento, aquela espécie que parasita o ser escritor, e passa a viver em seu corpo mental criativo.

 

Hoje mesmo, ao ler um texto no Recanto, deparei-me com um comentário bastante ardiloso sobre os erros considerados grosseiros, ao menos do ponto de vista do procurador de defeitos alheios, e a crítica que, de início era literária, passou a ser pessoal e bastante ofensiva. O texto não era meu, nem os comentários. Mas a empatia era.

 

Quem escreve, quer ser aplaudido. Se alguém disser o contrário, estaria fadado ao desengano e chamaria de hipocrisia. Ao escrever, o dono das letras reunidas, quer tocar o outro, torná-lo sensível, contagiá-lo. E ser elogiado. Não que isso seja um atestado de primazia e torne a escrita um amontoado de texto vestido com uma armadura de aço, mas até o processo de "aprender e ensinar" para quem conhece com maestria, deve ser algo que congregue e não que extirpe.

 

Fez-me lembrar de um professor de português da cidade que morava, José Sérgio. Certa vez, ao passar em frente a um mercadinho, viu que havia por lá, diversos currículos afixados. Alguns deles, chamaram a atenção do professor que, delicadamente, anotou os dados e, no dia seguinte, chegou ao mesmo local e colou, no lugar daqueles que ali estavam, novos documentos, corrigindo os erros gramaticais e ortográficos, visto em sua primeira análise. E ele fez isso a vida toda. Sempre que via alguma mensagem com erros gritantes, se tinha o contato, se oferecia para reescrever, senão, o fazia de bom grado, sem nenhum peso. Dizia ele, em sua santa humildade: " De Pôncio Pilatos o mundo está cheio, de Marias, vazio..."

 

Escrever é uma mola propulsora de liberdade. O culto é demasiadamente bonito, expressivo, robusto. Mas foram em bilhetes de pão, feitos à mão, com erros de concordância, que vi o romance mais lindo ser desenhado por um casal de idosos que acabaram de completar 60 anos de casados. O tempo foi generoso com eles e com os seus sentimentos.

 

Foi nos recados escritos nos espaços vazios de uma bíblia doada, que senti a dor angustiante de um preso que pagava por um crime injustamente. O vi definhar como ser humano. Era honesto, mas estava no lugar errado, com sua cor preta escancarada e discriminada. 

 

Foi na despedida doce de D. Maria, que em seu leito de morte, num hospital, escrevia sua experiência de dor e perdão quando viu o câncer a invadir de forma violenta, arrancando-lhe cada pedaço do corpo e da alma, que vi a delicadeza da história escrita nas costas de prontuários, sem nenhum recurso gramatical.

 

Fato é que, não está restrita aos cultos e catedráticos a escrita e, se o dom revelado de forma espontânea ou por meio da busca consciente não for um serviço, a beleza foi sufocada... Asfixiada. Escrever é como colocar adorno em cabeça de menina. É como soltar peixes em água corrente. É feito a simbologia do toque do sino em dias de celebração e luto. É como jogar flores, de dentro de um balão, sobre crianças brincando em campo aberto. É feito comer algodão doce em circo. 

 

Há os que gostam da lua, há os que a odeiam. Mas, há os que, apesar de conhecerem a sua estética e pormenores, apenas respiram ao vê-la. Se não os atraem, passam batido. Nem a notam. Aliás, a tratam com indiferença. Sem arremessar facas.

 

Escrever é fazer sentido. E por falar nisso: Você já sentiu hoje?

 

Melhor seria se as pessoas, de cima de sua intensa superioridade cultural, vissem os pequenos como aprendizes. E dessem a eles, com humildade, o direito de bordarem com cuidado o livro da história da vida. Há enredos que valem ouro.

 

E, se, nem isso os sensibilizar, passem batido! Que sociedade é essa que os inquisidores sentem necessidade de disseminar ódio com tanto prazer? Será o fim do mundo? Ou será a revelação da humanidade?

 

Nem pago pra ver!! 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 03/05/2022
Reeditado em 04/05/2022
Código do texto: T7508670
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.