Covarde

Eu estava largado na cama, deitado de barriga pra cima, com os olhos cravados no teto quando o telefone tocou.

Atendi.

- Às vezes eu penso em desistir de você, sabia? Você não dá valor ao meu amor. – Gabriela falou, com uma voz de quem tinha chorado.

- Talvez devesse já ter desistido – Respondi.

- Eu insisto por que te amo.

- Você não me ama. Você ama as coisas que eu escrevo. Você ama um personagem, esse fantasma que vaga pelos bares e pelas ruas dessa merda de cidade. Você ama minhas histórias mal contadas, você ama minha voz embargada, nos áudios que te mando bêbado, de madrugada. Você ama uma construção, uma ideia, uma viagem. Se você soubesse da verdade, você não me amaria. Se soubesse que não sou capaz de sentir nada disso que você imagina... Que eu sou um fingido, um fodido... Eu tenho certeza. Certeza absoluta que você não me amaria.

Gabriela não disse nada. Mas eu pude ouvir um suspiro do outro lado.

- Acho uma canalhice você me dizer isso tudo uma hora dessas.

- O que você quer eu faça?

- Que você seja sincero.

- Eu estou tentando ser.

- Isso não é sinceridade. É covardia.

- Covardia?

- Você só está fugindo.

- Eu não preciso fugir de nada.

- Não é o que parece.

- E o que está parecendo?

- Você fica com todo esse papo de que não consegue sentir nada... Mas ninguém conseguiria fingir tão bem. Eu acho que você só está assustado. Apavorado.

- Eu nunca disse que não estava.

- E até quando você vai ficar se escondendo?

- Não sei. Na real eu não faço ideia. Às vezes eu só queria sumir. Evaporar. Desaparecer num instante. E recomeçar em outra vida. Do que adianta eu te arrastar pra o meu mundo? Pra você enjoar de mim e ir embora? Eu não vou mudar. Eu não vou deixar de ser esse covarde que você disse que eu sou. Olhe pro lado de fora. A vida é uma tempestade e meu teto está cheio de buracos.

- Eu não me importo com a tempestade... ou com o telhado. Estou aqui pra ajudar a aparar os pingos de chuva.

- Ninguém consegue ser tão abnegada assim. Não pra sempre.

- Pensei que você não acreditasse em para sempre...

- Não acredito.

- Então?

Fiquei sem palavras dessa vez. Olhei pela janela.

Do lado de fora estava caindo uma tempestade. E felizmente não havia nenhum buraco no telhado.

- Quem aqui nunca amou perdidamente? Me diga... quem nunca tapou os ouvidos pra a razão e se jogou num poço sem fundo por causa de um amor? Você não é o primeiro... mas talvez seja o primeiro que me tirou o chão à ponto de me fazer não ter mais medo de cair.

- Mas você vai cair. E vai ver que o fundo do poço não é tão romântico quando se está dentro dele.

- Sinceramente eu não me importo. Enfim. Mas se você não quer o que eu posso fazer?

Fiquei calado, e Gabriela desligou.

Tive vontade de jogar o celular longe. Mas fiquei apenas olhando para a tela e para a foto dela no topo da conversa.

Talvez ela fosse desistir realmente.

Ou pode ser que batesse na minha porta no meio de alguma noite.

Eu sabia que nunca iria de fato mandá-la embora...

mas esperava um dia ter coragem para pedir para ela ficar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 03/05/2022
Código do texto: T7508393
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