O anjo louco de Deus
Para assistir a uma mostra do brasileiro sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909), é preciso viajarmos numa bolha finamente delicada e aguçar todos os sentidos, é como se enluarar. A arte de Bispo nos leva para um outro mundo, viagem mágica em meio a tramas de linhas e retalhos, peças colhidas pelos pátios de manicômios nos quais habitou por muitos anos. Anjo ou louco? Difícil definir, para a ciência, um louco, para os mais sensíveis, um gênio. A meu ver, não perdia para nenhum artista da época, sem escola, criou a sua própria arte. Segundo ele, seria um enviado de Deus. Era um criador. Seu trabalho não era exposto num atelier sofisticado, não tinha marchands, era alguma coisa indefinida, mas repleta de harmonia e brilho. Viveu suas delicadas e incansáveis fantasias em manicômios, onde almas eram pisoteadas sem nomes, mas números. Ver o trabalho de Bispo, faz com que nos sintamos num mundo paralelo, num Éden de encanto, magia e simplicidade, era um artista de vanguarda, foi pelos anos 30. Por falta de material adequado, se encontrou em meio a sucatas e descartes. Desfiava tecidos encontrados pelo pátio do hospício, costurava e bordava fazendo nascer o questionável, o belo. Bispo trabalhava o íntimo de uma mente cansada, banhada pelo preconceito, mas sempre brilhante. Não foi menos que Beethoven, que Picasso, que Dalí, sua linha de criação era sublime e paralela nas suas peculiaridades; a arte. Habitava o mundo que ele próprio criou, um mega mundo dividido entre loucura, carisma, exclusão e sensibilidade. Dentro do manicômio, ia coletando achados, como sapatos, chinelos, talheres sem par, para transformar numa beleza exótica, sem precedentes. Como "enviado de Deus", de retalhos de tecido, cordões, botões e outros objetos, criou seus próprios mantos, suas obras mais conhecidas. Impossível é ver todo o acervo do artista numa tarde ou manhã, mas asseguro, é inesquecível.