Ora pro nobis

O peixe morre pela boca. Dos inúmeros encantos de Minas, cantados em verso e prosa, a culinária é um capítulo à parte. Para o mineiro o coração da casa é a cozinha aconchegante, onde as pessoas (ainda) se reúnem para prosear – puro calor humano - tudo carregado do inconfundível modo silencioso e tranqüilo de preparar a refeição. Nada de gritarias : cozinha é local de veneração, onde o principal tempero é a paciência e onde as panelas agüentam horas sobre o calor para que o alimento se impregne de sabores e libere odores que calam fundo na memória. Dali emanam aromas especiais do café recém-coado, broa de fubá, pão de queijo...

O que conta sempre na mesa mineira é a fartura. Nada de se preocupar com a combinação entre os pratos : a lógica é não deixar ninguém insatisfeito. À mesa farta, segue-se o pratinho feito para as visitas degustarem e reavivarem a memória no dia seguinte. À falta de convidados, no dia-a-dia, a sobriedade de combinações é característica : arroz, feijão, carne, salada. Dizem as más línguas que é comida pesada - só para quem é fraco. Estômago de mineiro é sertanejo, antes de tudo, um forte. E dá-lhe muito queijo, lingüiça, feijão nas versões tropeiro, tutu ou com torresmo, leitão assado, frango ao molho pardo com angu, uma verdurinha...

Made in Minas e pouco conhecido além das montanhas, o ora-pro-nobis, usado em cercas-vivas por causa de suas folhas espinhentas, sai da cerca, vai para a mesa e faz, literalmente a festa – ou o festival – em Sabará, todo mês de maio. Ali a verdura é servida em saladas, refogados, sopas, omeletes, tortas, no arroz, pão ou macarrão. Como bom mineiro, a planta não é de muita frescura e se desenvolve em qualquer lugar, adaptando-se à sombra ou luz. Pelo alto poder nutritivo – 25% de proteína, rico em ferro e cálcio -, é chamada de “carne dos pobres”. Diz a lenda que seu nome vem dos tempos coloniais, quando as igrejas eram cercadas pelo vegetal, mas os padres não permitiam que fosse colhido. Durante a longa oração do ora-pro-nobis – rogai por nós -, as famílias aproveitavam para apanhar as folhas e garantir o almoço.

Por falar em almoço, essa conversa de cerca-lourenço – outra coisa típica de mineiro – é porque fui convidada para comer um frango caipira com ora-pro-nobis em Sabará, na casa de uma amiga quituteira de mão cheia. É comida para deixar em assanhamento úmido da antecipação do prazer as papilas gustatórias. Haja saliva!

Deus, ora pro nobis, pro mi em especial. Que eu não cometa o pecado da gula; que eu não sucumba às calorias da carne... Caso eu não resista, que a penitência seja tão somente quatro horas ininterruptas de malhação. Terá valido a pena.

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 24/11/2007
Reeditado em 27/06/2008
Código do texto: T750491
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