Qual é a cor dos seus sonhos?


          Azar Nafisi conta em Lendo Lolita em Teerã, que surpreendida pela mudança de estilo na obra de uma pintora, que começara a carreira retratando o realismo do cotidiano e depois partira para o abstracionismo, manchando as telas com cores rebeldes, perguntara-lhe a razão de tal mudança. A realidade se tornou tão insuportável, tão árida que tudo o que eu consigo pintar agora é a cor dos meus sonhos, foi a resposta que ouviu.Da mesma forma que essa resposta perturbou Azar, levando-a a inquirir a si própria quantas pessoas tinham a oportunidade de pintar as cores de seu próprio sonho, perturbou a mim, que pergunto: Qual é a cor dos meus sonhos? Obviamente, considero tanto a pergunta quanto a resposta de forma metafórica. Não busco exatamente a descoberta de uma cor para revestir meus sonhos noturnos mas sim um tom, que dado a minha vida, esteja o mais próximo possível de um sonho realizado, um ideal atingido. Um sonho que seja permanente e que independa de estar acordada ou não.Os sonhos que temos para a nossa vida se compartimentam. Temos sonhos românticos, sonhos familiares, sonhos profissionais.As cores que damos a esses sonhos também.Para alguns os tons pastéis são suficientes para colorir a vida. Outros necessitam de cores fortes, berrantes.Realizamos alguns, outros não. Muitos são verdadeiros pesadelos. Queremos ter e queremos ser. Mas nem o ter nem o ser são estáticos. Quando conseguimos o que queremos ter, a posse nos descansa por um tempo e logo queremos ter mais. Os sonhos vão ficando ultrapassados, suas cores esmaecidas e faz necessário buscar novas cores para eles. Se quanto a ter, os homens poderiam se completar, quanto a ser a evolução necessita ser contínua. Este é o destino natural do homem evoluir até a perfeição. Se isso falha, estará falhando também o plano da Criação, como um sonho de Deus fracassado. Eu já desisti, de certa forma, de discutir metafísica, mesmo que seja comigo mesma. Sei que certas coisas vão muito além de mim, e alcançá-las deve ser um processo natural. Não quero perder essa miragem, mas quero alcançá-la enquanto ando com os pés bem plantados no chão. Lembro de um tempo a muito tempo atrás, quando ainda buscava paz para as minhas inquietudes de forma sôfrega, ter participado de uma reunião onde a certa altura o dirigente olhou para mim e de forma incisiva disse: não se preocupe, você será a mais feliz entre todos. Eu não estava lhe perguntando isso, nem de forma direta nem por pensamento. O que vai acontecer com você?, amigos perguntavam fora da reunião, já a caminho de casa e arriscavam palpites. Não lembro com detalhes, mas os palpites se ligavam a fortuna, romance e poder.E eu, vivendo a vida, quando a lembrança dessa cena voltava, sempre tinha uma inquietude: mas o que é ser feliz? Quem são esses “todos”? Certa de que não se referira ao todo Universal preferi esquecer essa parte do vaticínio e ficar apenas com a mais palpável: você vai ser feliz... até que um dia, espantada, descobri que da forma que eu o pensava – vai – eu nunca seria feliz. Eu tinha que ser era imediatamente. Fui em busca, precisava saber o que era a felicidade. Encontrei uma resposta que agora faz parte de mim, é um conhecimento meu: felicidade são pequenas porções de coisas boas.Meu mestre no caso foi Gonzáles Pecoche, o criador da ciência logosófica, que não se expressou exatamente assim, mas foi assim que compreendi. Através de seus ensinamentos adquiri muitos conhecimentos que tornaram a minha vida melhor e esse é um deles. Aprendi a colorir a minha vida no dia a dia com as cores que eu tenho na paleta, sem me preocupar se os quadros que vou concluindo agradam ou não aos outros. Como não estão a venda não preciso que ninguém goste deles, e se eu não gosto, eu posso mudá-los de acordo com o meu gosto. Vou terminando esse pensamento que pensei escrevendo, sabendo que peguei com unhas e dentes a oportunidade de saber qual é a cor dos meus sonhos e não vou perdê-la nunca: a cor dos meus sonhos é a cor da vida, que como um rio corre em direção ao seu deságüe,ora por caminhos tranqüilos, ora tortuosos, mas sempre certo de que um dia se fundirá na imensidão.

Lavras, 23 de novembro de 20