O fardo de ser filha

Era uma loira muito bonita. Afinal, loiras não podem ser menos que lindas e ela, no seu ver, é óbvio, era tudo de mais belo da vida.

Tudo bem com a autoestima, mas volta e meia carregava pra cima e pra baixo aquela menina. E tinha que sorrir a cada esquina quando diziam "que menina linda!" - Sim, ela dizia. E com um leve aceno se despedia.

Que rude! Alguns diziam mesmo após alguns dias. Todos viam seus reflexos no lugar dos olhos de alegria e por trás de óculos escuros grandes olheiras ali nasciam.

O que essas pessoas todas viam nas bochechas rosadas ela nao sabia. Acenava e muito mais que isso nao fazia, nao podia.

De certa forma seu estômago embrulhava todas vez que seus passos marcados eram interrompidos por aquelas minusculas e rechonchudas pernas da menina, que segurando com dificuldade na sua mini saia a impedia de perpassar pela vida.

Tinha alguns passos livres, assumia. Uma mulher com uma criança comovia a todos. De fato nao entendia, mas aceitava todos os bancos em transportes públicos enquanto ia e vinha.

Pra onde ia ninguém sabia. Levava sempre pra cima e pra baixo aquela guria. Pobrezinha, talvez nem o pai ela conhecia.

Como um bebê macaco se agarra enquanto a mãe pula de galho em galho aquela criaturinha fazia. Mas aquilo não era a mãe, não podia.

E de fato ela cresceria para sentir na pele que mesmo tendo pertencido aquele ventre, de lá saíra expulsa rejeitada com apenas 6 meses de vida.

Daí em diante a vida seria qualquer coisa menos sadia. E depois de anos ainda não sabia o que tinha feito pra ser tão miserável na vida.