CRÔNICA | "Carne vegana"

Eu estava no metrô. Uma mulher abordou-me com a seguinte pergunta: "Quer experimentar um hambúrguer?". Respondi que sim. A atenção é uma forma de amor ao próximo; uma forma bonita. Eu não quis perder a oportunidade de exercer, no trajeto entre as estações Sé e Paraíso, a segunda parte do maior dos mandamentos. Ninguém no vagão aceitou experimentar o tal hambúrguer da moça, nem a senhorita bonita à minha frente que parecia ser tão inclinada à simpatia.

Era um risco, mas aceitei. Sabe-se lá que tipo de desarranjo intestinal o sujeito pode ser acometido depois de comer essas coisas que se vendem no metrô. A moça tinha qualquer coisa de bonita: era universitária. Eu admiro as pessoas que têm boa fluência verbal, era o caso dela. A jovem explicou-me que estava ali a fim de fazer uma pesquisa para o seu TCC do curso de gastronomia de uma tal universidade paulistana. Senti-me aliviado, porque imaginei que o hambúrguer havia sido preparado por mãos profissionais.

E era verdade: a estudante de gastronomia falou dos processos de fabricação, da proveniência e dosagem dos ingredientes, dos temperos, do sabor. Mas, antes de finalmente experimentar o tal hambúrguer, eu já estava arrependido: era "carne vegana". Uma evidente contradição de termos. Levei a porção do alimento à boca grato por ser só um bocadinho -- a moça queria fazer um comboio inteiro experimentar os hambúrgueres que ela carregava na bolsa.

Minha reação foi sincera: "Credo!, moça, essa coisa é horrível!". Só não lancei fora aquela massaroca terrivelmente ofensiva ao meu paladar ali mesmo porque tive pudor da gente presente no vagão. Cinicamente a jovem disse que o hambúrguer não era tão ruim assim; que, depois de comer mais dois ou três eu me habituaria ao sabor. "Moça, se eu experimento algo e descubro que tem gosto ruim não ponho mais na boca, nunca mais. Foi assim que aprendi a não comer jiló".

A universitária, que desde o nosso fatídico encontro falara tão docilmente, esqueceu-se da simpatia. Fez cara feia, encarou-me mais seriamente e, enquanto eu ainda me esforçava para engolir o hambúrguer impostor, disse que o importante era a minha saúde. Eu morreria cedo se continuasse a ser um despeitoso consumidor de carne, um obsceno benfeitor da indústria assassina dos bichinhos.

Eu teria um compromisso social, um encontro com amigos. Desci na estação Paraíso. Na fraca padoca nos entornos da estação pedi um hamburgão e meio litro de puro malte. Celebrei a minha dignidade sem um pingo de peso na consciência.