A LUCIDEZ DE MANOEL

A pressa de chegar em casa era tamanha que a trepidação provocada pelas famosas ‘’costelas de vaca” daquela estrada de piçarra, funcionava como caricias em suas barrigas para amenizar a fome e sede que sentiam. A C10 de várias décadas e muitas gambiarras, resistia heroicamente ao tempo. Passava das treze horas e era daqueles dias em que o sertão nordestino oferece um sol para cada pessoa.

Dentro do carro, pai e três filhos, todos exaustos depois de uma manhã de trabalho, colhendo raízes de mandioca na roça, encher a carroceria da C10, levar para a cidade e fazer ração para os animais. Entre eles estava Manoel. Sabe aquelas figuras que moram em pequenas cidades do interior e são mais conhecidas que muitas autoridades locais. Conhece cada morador do lugar e chama pelo nome. Manoel se coloca como qualquer outro cidadão e vai até o gabinete do prefeito, cobrar melhorias na rodoviária da cidade, nas mesmas dimensões e qualidades em tudo que oferece a rodoviária de São Paulo, que ele nem conhece, mas ouviu comentários a respeito. Nesta reivindicação tem o meu apoio.

Seguiam todos calados. A garganta seca, coberta de poeira, clamava por água. Suas cabeças doloridas, a trepidação muitas vezes as jogava de encontro ao teto do carro. De repente, o carro começou a perder velocidade e declinar para um lado. Num lamento conjunto, todos disseram: furou um pneu!

O último a descer do carro foi Manoel e já procurando algum tronco de árvore para se esconder daquele sol causticante. ´Época do ano em que as árvores numa tentativa de sobrevivência perdem todas as folhas. A chapada em cor de cinza. Os outros três agachados apalpavam o pneu, como s quisessem ter a certeza que estava seco e furado. Não davam atenção nenhuma a Manoel, achavam que ele atrapalhava e atrasaria o serviço. Passaram a desamarrar a lona que cobria as raízes de mandioca, sem ela e com a trepidação, não chegariam om uma única raiz na cidade. Colocaram mais da metade da carga abaixo até encontrarem o estepe. Continuaram procurando por algo que Manoel não sabia o que. A procura continuou na cabine, embaixo dos bancos e nada. Conversaram entre si e decidiram cada um tomar uma direção diferente. Manoel ficaria tomando conta do carro enquanto voltavam.

Manoel levantou-se, pôs as mãos sobre o capô da C10 e disse para si mesmo: agora eu tô bonito, sozinho no meio da estrada e tendo que dar conta de três doidos. Sentado no mesmo lugar, Manoel viu meia hora depois, retornarem cansados, tristes, a poeira junto com o suor escorrendo pelo corpo, nada nas mãos e nenhuma ajuda. Ele não suportando tanta demora, indagou: o que vocês estão esperando para trocar o pneu furado? Responderam que não tinha macaco nem chave de roda.

Manoel mostrou no chão entre suas pernas o macaco e a chave de roda. Disse que já desceu do carro com os dois objetos nas mãos. Eram três olhares cuspindo fogo na direção dele.

Ingenuamente, Manoel levantou-se perguntado onde engataria o macaco embaixo do carro. Manoel é mesmo irresistível.

Henrique Rodrigues Inhuma PI
Enviado por Henrique Rodrigues Inhuma PI em 23/04/2022
Reeditado em 23/04/2022
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