A arte de ser esteio

Quando se é criança, o apoio é geral. Todos estão presentes em sua vida exclusivamente para saciar sua fome, afastar os seus medos e corresponder seus afetos.

Na adolescência , a sustentação ainda é enorme. Você vive a ilusão de carregar o mundo nas costas, mas o seu fardo ainda é mínimo. Aprender a viver dói, é verdade. Mas em geral essa dor juvenil se cura com beijo ou colo.

Porém quando a verdadeira mudança se inicia, se começa a perceber que se antes a vida era se firmar em outros, agora há também os que se escoram em ti. Virão a esposa, os filhos, e a responsabilidade será de verdade, com chefes, subordinados ou simplesmente com aqueles que enxergam em você algum ponto de apoio.

Mas ainda assim, la estarão os esteios. E não são poucos. Há ainda a bênção da avó. O abraço do tio. A risada da mae e algum conselho que ela insiste em dizer por mais que ela saiba que você sabe.

Quanto mais clichê, mais afeto.

Envelhecer lhe dá o salvo conduto de ser brega. E a gente acha bom.

Porém, um dia a balança virará, e quando se olha ao redor, se percebe mais aparador do que vaso. As fontes de sustentação vão diminuindo aos poucos e num piscar de olhos as colunas de concreto que forjaram seu caráter e toda sua memória afetiva simplesmente irão embora. Pior do que isso, a coluna agora é você. E só.

E sem nunca ter sido arrimo, você passa a ser sustentação dos outros, sem ter onde escorar.

E nesse momento, você descobre que nunca houve qualquer base firme. O seu medo de hoje, é igual ao que o seu pai sentia ontem, e o teu filho também sentirá.

E aí você descobre que, na realidade, todos nós somos equilibristas de pratos, e os mais fracos ventos soprados pela vida são capazes de desestabilizar nossa arrogância.

E toda vez que a perna balança, você olha pra cima, e se lembra que os pratos não podem cair.

A partir daí é você lidando face a face com o seu rigor e misericórdia, aprendendo que viver exige a ambiguidade de força e franqueza. Que o amor na fé e a fé no amor sao as únicas fontes capazes de garantir algum tipo de sanidade e segurança, e de uma forma muito estranha, voce passa a gostar da ideia.

E quando chegar esse dia, haverá um alívio enorme ao descobrir que, depois de tudo, se tornou alguém que desenvolveu a habilidade para encontrar dentro de si o afago para a alma - sobretudo, a própria.

Trebe de Maria
Enviado por Trebe de Maria em 23/04/2022
Código do texto: T7501223
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