Esperançar
Não sou um homem de fé, mas sou um homem de simbolismos. Esse texto começou a nascer às 5 horas da manhã do dia 23 de abril de 2022, o horário não foi aleatório, o som dos fogos que soaram em estampido anunciavam o início da alvorada de São Jorge. Dentro do meu quarto, o som dos fogos era abafado pelo desfile da Beija-Flor de Nilópolis, que no mesmo momento avançava pela Marquês de Sapucaí, fechando o primeiro dia de desfiles do Grupo Especial após dois anos, com um samba-enredo que fala sobre a importância de empretecer o pensamento. Se o significado de tudo isso não fosse claro, eu poderia dizer que é cabalístico.
Ainda falando sobre simbolismos, há algumas semanas estive no Circo Voador pela primeira vez na vida para ser testemunha de um dos maiores reencontros da história recente: Emicida & Rio de Janeiro. Naquele dia, o Rio de Janeiro recebeu uma das chuvas mais violentas de sua história. A realidade é dura e não permite que haja espaços para firulas e licenças poéticas, naquele dia, a chuva parou a cidade e colocou tudo e todos em alerta máximo.
Eu estava em alerta, mas acima do alerta estava a minha vontade de ir àquele show. Sob alerta, temeroso e explodindo de expectativas, fui. Naquela noite, durante 3h, eu vi Deus. Vi Deus na esperança daqueles que cantavam que iríamos chegar ao topo, vi Deus nas lágrimas daqueles que se emocionaram quando se lembraram que ainda há muito a ser conquistado, vi Deus na indignação dos que cantavam contra o sistema, vi Deus no sorriso de quem se lembrou das pequenas alegrias da vida adulta.
Às 3h da manhã, ninguém saiu do Circo da mesma forma. Naquela saída, saímos um com o mundo na esperança do Ubuntu da emancipação. Naquele final de semana, eu tenho certeza, que tudo ao redor dos Arcos da Lapa mudou. O encontro com Emicida, foi o encontro com a esperança, com a vida, com o abraço, o afeto, o espiritual e o tangível.
Acredito que estamos vivendo reencontros, carnaval, Emicida, amores, abraços, afetos, sorrisos e toques. Nada é novo, tudo é antigo, já foi vivido antes, mas a sensação de refazer tudo isso após um hiato é nova. Não sei se estamos continuando do ponto em que paramos em março de 2020. Acho que a vida como conhecemos jamais vai retornar e jamais poderá ser alcançada, simplesmente porque se foi. Rompemos com aquela vida e com aquele ideal de mundo.
Se não é possível continuar do mesmo ponto, então partimos do zero. A vida ainda pode ser surpreendente, boa e interessante.
Pouco antes de dedilhar as primeiras linhas desse texto, ouvi alguém, na transmissão dos desfiles, comentar que a presença de uma criança entre os intérpretes de samba era o encontro do passado com o futuro.
Ao ouvir isso, Maju Coutinho afirmou: há esperança no futuro. Naquele momento, abri a janela do meu quarto, os primeiros raios invadiram meu quarto, anunciando que um novo dia iria começar. Um futuro, um recomeço, uma esperança e um novo alvorecer.
Há esperança no futuro. Há muita esperança no futuro.