O CURTO VERÃO DA DEMOCRACIA
O CURTO VERÃO DA DEMOCRACIA
[SOBRE AS ARMAS E FAGUNDES VARELA]
Nelson Marzullo Tangerini
Com olhos bem abertos de espanto, vemos o crescimento acelerado, e impune, de grupos neonazistas em terras brasileiras. O armário foi aberto, pouco antes de 2018, e quem de lá saiu tem legitimidade estatal para agir; inclusive, de matar.
O culto às armas, pelos nazifascistas, desafia a democracia, que nasceu, engatinhou e cresceu no Brasil depois de tantos anos de ditadura: com prisões arbitrárias, tortura, sevícias e assassinatos. E muitos seres humanos ainda continuam desparecidos.
A Lei Rouanet, que caiu nas mãos da extrema direita, promove, agora, livros que incentivam o uso de armas de fogo, enquanto boicota cantores, compositores e escritores.
Em vídeo, exibido ultimamente por emissoras comprometidas com uma provável democracia, mostra um grupo de fascistas alardeando que essas armas serviriam para conter certos governadores que desobedecem as ordens do capitão.
Em se tratando de armas, destacamos aqui um poema do ingênuo poeta fluminense Fagundes Varela, figura de relevância no movimento romântico brasileiro:
“ARMAS
- Qual a mais forte das armas,
A mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina,
Ou a funda aventureira?
A pistola? O bacamarte?
A espingarda, ou a flecha?
O canhão que em praça forte
Faz em dez minutos brecha?
- Qual a mais firme das armas?
O terçado, a fisga, o chuço,
O dardo, a maça, o virote?
A faca, o florete, o laço,
O punhal, ou o chifarote?
A mais tremenda das armas,
Pior que a durindana,
Atendei, meus bons amigos:
Se apelida: - A língua humana!"
Acreditamos que as armas foram, inicialmente, criadas para a defesa do ser humano contra animais ferozes – chamados irracionais -, que ameaçavam a existência dos – ferozes - considerados racionais.
Posteriormente, com o passar dos anos, dos séculos e dos milênios, enfim, após a criação da ideia de demarcação de territórios, que gerou a ideia de nações, as armas passaram a ser criadas para matar seu semelhante, embora de outra etnia ou de outro grupo linguístico, os “bárbaros”, o que faz nascer a ideia de nacionalismo exacerbado, algo muito próximo ao supremacismo ou ao nazismo.
Enfim, a língua humana também é uma arma, embora, hoje, esse tipo de artefato – lamentavelmente uma palavra associada à arma - tenha se difundido e desenvolvido, amplamente, através das redes sociais. As fakenews, como se sabe, eram o alvo preferido de Umberto Eco, que justamente chamou esses internautas de imbecis. E o que vemos são terroristas religiosos, negacionistas e nazifascistas se masturbando - ideologicamente – através dela para alimentar suas frustrações e divulgar a violência contra todos que se opõem ao autoritarismo, trazendo de volta, em pelo século 21, a desumana idade média, os tempos mais sombrios de nossa História, em que os diferentes viam de perto as chamas ardentes da inquisição. Nada mudou, portanto, dentro do cérebro humano – diga-se: dos humanos que se dizem racionais.