Tens razão em ser um canalha (*)
Quando as portas se fecharam e ouviu o bater dos cadeados atrás de si e se deparar com mais de uma centena de presos, Salvador murmurou “Sou um canalha mesmo” sem esconder um falso orgulho entre os lábios.
Não é comum entre os detentos perguntar ao recém-chegado o delito praticado. Ele só vai contar sua história (com muitas inverdades), tempos depois.
Por três semanas Salvador permaneceu calado e com os olhos atentos ao comportamento de seus novos companheiros; as raras palavras que emitia era “sou um canalha mesmo” ao ponto de ficar conhecido por essa alcunha. Após quatro meses fez algumas ‘amizades’. Vale lembrar que em nosso dicionário essa palavra tem um sentido amplo. Em alguns lugares, nem tanto.
Uma semana antes de prestar depoimento em juízo o canalha foi encontrado morto na cela que dividia com outros nove numa manhã de inverno. ‘Sufocou-se’ com a velha e suja manta de se cobrir, foi a conclusão. Apesar de comedido, o canalha deve ter contado para algum companheiro seu infortúnio.
(*) Tu tens razão em ser um canalha, como se fosse consolo para um canalha perceber que é realmente um canalha. Fiódor Dostoiêvski em “Memórias do subsolo”.