Meus bisavós maternos

 

O casal se chamava Antonio José de Carvalho (Tonico Evangelista) e Maria Garcia de Carvalho (Garcia). Moravam na Fazenda Cipó, no município de Luz. Mamãe conta que ela adorava ler, um hábito pouco comum naquele tempo para as mulheres. Ninguém sabe onde ela conseguia livros, um mistério, pois os livros eram escassos. De seus cinco filhos, dois eram exímios leitores, vovô Fazinho e tio José Garcia. Vovô, quando lia para seus filhos, não lia, mas contava causos, de tão perfeita e harmoniosa leitura, com entonação e emoção. Mãe Dinda Garcia, como era chamada pelos netos, também bordava divinamente, fazendo poesias nas cambraias... também tinha o "dedo verde", pois toda muda ou semente que plantava e cuidava, viravam plantas viçosas e saudáveis. No seu jardim, mamãe conta que haviam duas plantas raras e cobiçadas: um pé de rosa-verde e outro, de grandes rosas amarelas. Ela presenteava algumas pessoas com essas preciosidades, mas já entregava a muda completamente enraizada, um processo pacientemente desenvolvido e cuidadoso, com uma técnica criada por ela. Nos fundos da casa, havia uma farmácia de plantas medicinais. Talvez esse gosto mamãe tenha herdado dela, pois adora botânica e é curiosa para desvendar os mistérios das plantas e seus nomes.

Já o Pai Nico, como era chamado pelos netos, era sossegado e bonachão. Mamãe recorda dele sempre no engenho de rapadura, comandando os trabalhos. O serviço pesado era realizado pelos empregados. Quando chegavam a sua casa, ela vinha à frente para receber as visitas, efusivamente, ele depois, com alegria recatada, fazia as honras da casa. Mamãe lembra-se que ela tinha cumprimentos tão vigorosos ao mesmo tempo que dizia: "vem cá, minha netinha", dando palmadinhas vigorosas nas costas dos netos, cujas bocas até amargavam com o forte carinho. Ela inventava frases inusitadas, tais como: "Fulano chegou como um raio despido das nuvens", para dizer que foi repentina e desagradável visita. Quando a situação era embaraçosa, dizia: "Está morta a égua com o potrinho relinchando atrás". Quando cansada, podia descansar, exclamava: "Deita-te corpo, espicha-te rabo!" e muitas outras expressões sui generis. Era um tempo de trabalho, escambo, e de uma relação afetuosa entre patrão e empregado, revelando-se nos apadrinhamentos dos filhos dos empregados. Era um tempo de simplicidade e de vida serena nos contrafortes da mineira Serra da Saudade.

 

(Foto cedida pela prima Aline Resende. Importante dizer que a foto repousava no tesouro do Tio Fernando. Obrigada a minha mãe, Neneve Castro , por contribuir com suas lembranças).

 

Cassiå Cāry`ne

Cassia Caryne
Enviado por Cassia Caryne em 16/04/2022
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