PELA MAQUIADA VITRINE DO PRIMEIRO MUNDO

Fazia algum tempo que eu não passava por ali.

De repente, durante a abertura dos "shoppings centers", na retomada comercial pós declínio da Pandemia, meus olhos cruzaram a vitrine duma cafeteria nova, acredito que inaugurada durante o sufoco da época.

Café!- o que mais poderia acalmar e incentivar os ânimos decaídos?

Tudo parecia diferente, revitalizado...

As luzes chamavam a atenção no painel atrás do balcão e eu as senti como uma esperança de clareamento dessa época tão escura que vivemos.

A surpresa da recém inauguração vinha acompanhada duma vitrine de vários

"cookies" crocantes, aquelas bolachonas enormes, cheias de enfeitinhos coloridos, de raspas de chocolate, de frutas secas cristalizadas.

O perfume doce dava água na boca dos formigões.

Daquilo tudo que nos faz voltar à memória afetiva da infância, a iluminar os nossos olhos de adultos longínquos da época.

O nome e o " design" da cafeteria lembravam algo como as da cultura francesa.

No atendimento, ali logo atrás da vitrine dos doces, estavam dois jovenzinhos funcionários que me pareceram ainda adolescentes.

Então, fui conversar com eles para depois fazer o meu pedido.

"Olá, tudo bem? Nossa, a loja está linda! Faz quanto tempo que vocês estão aqui, é alguma franquia de cafeteria lá de fora?".

Aguardei pela resposta até o silêncio sepulcral ser rompido por um deles.

Numa resposta algo lacônica, opaca e semitonada, ouvi assim: " Óia, cê descurpa nóis, é que nóis sabemo nada disso não, ô dona, ninguém expricô pra nóis as coisa daqui; tamú só trabaiando um pouco, mais nóis num vai ficá aqui inté muito mais tempo, não. Nóis vem e vai de muito longe e num tá dando pra fazê as horas do patrão, não!".

Engoli seco com o triste contraste em meio às luzes que só lembravam o primeiro mundo .

De coração contrito, fiquei muito mais lacônica que eles. Paralisada.

" Ah, ok, tem nada não, imagina!"

Agradeci e fui embora de garganta seca, diante da tristeza sedenta de perceber que nada maquia por muito tempo o tudo que, por aqui, nos falta da iluminação furtada das atuais e esquecidas gerações.

Não, eu constatei tristemente.

Nada, absolutamente nada, havia mudado e eu acabara de degustar, com a alma apagada na vitrine iluminada, um dos cafés mais amargos das tantas maquiadas vitrines do meu mundo.