O lugar da crônica
A crônica é uma tradição brasileira. O país tem ótimos cronistas e um histórico notável em relação ao simpático texto, presente na maioria dos jornais e revistas. Digamos que elas têm um lugar cativo na literatura nacional. Sou suspeito para falar do assunto, pois, além de gostar bastante delas, me considero um aprendiz no gênero.
Um autêntico bilhete, do tipo: “Fui comprar pão e já volto” ou “Fulana ligou pra você”, cabe num mero pedaço de papel. No máximo, numa folha daqueles bloquinhos que serviam para anotar a lista de compras da minha tia: “polvilho”, açúcar”, “sabonete” etc. Ela anotava com sua letra miudinha e aguardava alguém ir ao armazém do Seu Waldemar. Depois, rasgava, o papelzinho tinha cumprido sua missão.
Jornais, livros e revistas eram mais solenes. À tarde, quando chegavam do trabalho, meus pais sentavam-se na varanda. Gostavam de ler os jornais e de comentar as notícias. Do chão, brincando com meus carrinhos numa cidade imaginária, eu, que ainda não sabia ler, observava os dois. Prestava atenção e às vezes me levantava curioso para olhar o jornal. Tentava decifrar as razões de uma risada ou de um comentário aflito. Aquilo me deixou familiarizado com os jornais antes de reconhecer as palavras e descobrir os segredos da montagem das frases.
Com o tempo, aprendi onde estavam as notícias internacionais, o espaço dedicado aos anúncios, o cantinho das palavras cruzadas, dos quadrinhos e qual era o lugar da crônica. Quando entrei na escola, eu já conhecia o mundo da escrita, dos textos jornalísticos e da literatura.
Ao me tornar um leitor mais experiente, a sensação era a mesma de entrar no armazém do Seu Waldemar e localizar a prateleira onde estava o polvilho da lista da minha tia. Cada coisa em seu lugar, até o dia em que passou um redemoinho e espalhou as páginas dos jornais, misturando a análise do futebol com o avanço das tropas inimigas, a adorável crônica do Drummond com os sonhos da mulher mais elegante do ano segundo a coluna social.
Como num pé de vento, tudo aconteceu muito rápido, inesperado. De repente, minha tia foi embora, para sempre, e ninguém mais usou o bloquinho para anotar a lista de compras. Ao voltar do trabalho, solitários, passamos antes no supermercado e compramos comida pronta. Sem muita opção, lemos as notícias pelo celular, em silêncio. Na tela brilhante e sedutora, parece que os assuntos estão fora de lugar. Eu ainda não organizei meu mapa mental para encontrar todas as informações e os textos que me interessam. A sequência das páginas me parece aleatória, há uma lógica que ainda não domino. Cadê a crônica? Só ela para possibilitar meu reencontro com o mundo e comigo mesmo.
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