Quando a chatice e a hipocrisia se juntam

 

“Se conselho fosse bom, ninguém dava”, diz o ditado. Será? Depende.

 

Eu pensara em escrever hoje sobre casos como o recente da celeuma que foi parar no Supremo Tribunal Federal sobre a reeleição para presidente do Senado da República e da Câmara dos Deputados, casos nos quais a norma é tão clara quanto o sol do meio-dia e, por conseguinte, não há necessidade de exercício especial de interpretação para ser aplicada, mas, ainda assim, há quem faça furdunço a pretexto de tal aplicação. Mudei, contudo, de ideia. De vez em quando faço isso.

 

Pois bem. Referi-me inicialmente a conselho apenas para trazer a citação que se segue, da lavra de uma ilustre colega. Diz Renata Fonseca Ferrari, jovem e brilhante advogada paulista: “Gente sábia, com discurso pronto e que adora dar conselhos, tem um pezinho na chatice e outro atolado na hipocrisia.” Concordo com ela e vou além, daí a abordagem do tema. O intolerante, que sempre é chato, também é hipócrita. Chatice, hipocrisia e intolerância andam juntas e se completam.

 

A chatice, a hipocrisia e a intolerância – exatamente nessa ordem, não conforme a importância, mas por causa da ordem alfabética – andam sempre juntas e, por tautológico que pareça dizer, não se separam. Como a chatice, a hipocrisia e a intolerância não se separam, todo chato é também hipócrita e intolerante. Aliás, dizer isso me faz lembrar de um ditado em inglês que gosto muito de citar em situações como esta: “Birds of a feather flock together.” Traduzindo: “Pássaros da mesma pena voam juntos.” Não se vê pato nadando com galinha.

 

Imperfeito e cheio de defeitos, bem sei que talvez eu seja chato. Garanto, contudo, que me esforço o máximo para não ser, pois detesto gente chata – que, já sabemos, também é hipócrita e intolerante. Sabe? Aquele indivíduo que se julga o suprassumo e, aos próprios olhos, tem a resposta certa para tudo no âmbito moral ou religioso. Julga-se moral e religiosamente melhor que a maioria dos mortais e se considera superior a quem o rodeia. Iguais ou quase iguais a ele, somente os da mesma fé, seita ou coisa parecida.

 

É preciso dizer, no entanto, que não é bem assim. A vida mostra à saciedade que, como diria um conhecido personagem da tevê, há controvérsias. A tão propalada ética dessas pessoas é uma insignificante e solitária partícula asfixiada pelas suas imperfeições pessoais, ou, como se preferir, a gotinha de água doce que desaparece na imensidão do oceano de água salgada das suas atitudes e práticas hediondas.

 

Jesus Cristo, não esqueçamos jamais, desmascarou os falsos moralistas de seu tempo, por exemplo, no episódio de Maria Madalena. Dissuadiu os hipócritas acusadores da infeliz mulher, cheios de justiça própria e ávidos por sangue, dizendo-lhes calmamente (João 8.7): “Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.” A história é bem conhecida. Ninguém o fez. Calaram-se imediatamente. Emudeceram e saíram, um a um, deixando-a fisicamente incólume.