SEXTA SANTA
Sexta-feira é santa, é tanta, é tonta, é um clima favorável para o corpo que necessitado clama, chama em chamas de paixão pelo outro ser que sem qualquer propósito pede uma outra estação e pelo som do dia vem à noite que cai como quem carece de algo bom, a noite do desespero, da temperatura fria, das amizades findadas e dos fatos leves... Bem me queres ao seu lado, ao seu chamado que respondo mudo.
Porque ouço o telefone tocar uma, duas, várias vezes até chegar à exaustão e frente ao espelho me visto como quem se veste para si, me visto frente a minha imagem refletida, tida como o belo materializado e paro no ato do perfume, acendo um cigarro e pela fumaça em devaneio que desenha no ar figuras sem sentido, deixo-me estar, no ato da fragrância entorpecente. Perfuma-se como a Clarice de Uma Aprendizagem... De forma sublime, um ritual divino ou divinizado pelo próprio motivo, o cheiro que embriaga e abre a forma que motiva a vida. Não sou lava, matéria bruta, sou a estampa da fina flor bordada em chita, o ébrio da loucura adquirida e que você seja esse jogo de intriga, de intimidade que me resgata em cheque mate, para mim sempre seja a vela que queima sem qualquer preocupação. Paro um momento e vejo pelo buraco no telhado que já se faz escuro, curvo meu corpo, amarro meu sapato e parto além de mim, para além de si, parto minha vida em metades dicotômicas e pela língua em ação chego à estação do gozo.
É sexta-feira, a ferida supurando luz, é sexta-feira e tudo parece estar diferente, um blecaute personalizado, sonante, atroz. No ensejo do enlevo não velo coisas fantásticas, busco o acaso da vida dilacerada e que em confraria um caso surja emergente, urgente como se revela urgente minha salvação em si, um acorde singular, uma música animalesca como animalesca é toda vontade zoomorfizada e em velocidade temporal a cal do mundo se envereda pela vereda do sal, da insanidade da cidade sitiada frente à lua minguante, a luz lunática, a luz cibernética e ética e etérea e metabólica da óptica entendida, intelectualizada do caso que se consome.
Nossos corpos se cruzam pela linha que transpassa o além de..., olho nu que se enxerga além de..., o sonho que se vive além de..., a vontade de se ter além de..., a quentura evasiva pelos pólos que nos quer além de..., o curta metragem, a pouca distancia, a louca querência, a brasa, a valsa, a velocidade máxima que nos faz ir para Atenas a terra dos deuses, a filosofia platônica, a luxuria, a cama desfeita, o espelho que se enobrece, o frio do ar que se condiciona a mero espectador porque os corpos livres das roupas queimam como água para chocolate, flutuam e se enroscam numa luta contínua de sabor variado, beijos, pólvoras e explosões. Tudo isso além de..., além de mim, além de ti, além de nós, além do além do além que se quer podemos imaginar. Meu corpo é seu, seu corpo é meu, nossos corpos nossos, sem qualquer razão de ser.
É Sexta-feira e saio de casa sem qualquer pretensão além de mim mesmo.