O gosto de chuva misturado com conhaque.
O gosto da chuva misturado com conhaque
Era uma segunda-feira, como qualquer outra. Fico escondido no bar, bebendo conhaque e vendo a chuva, com um motivo qualquer. Bolas! A gente nunca pensa, certo? Simplesmente temos que seguir em frente. Nascemos pelados e carecas, envelhecemos e eles nos dão um manual de instrução:
-Você tem que ir pra escola.
-Você tem que se formar.
-Você tem que viver com os outros.
-Você tem que arranjar um emprego.
-Case com alguém(por uma questão de reprodução, mas também uma forma desesperadora de matar a solidão).
-Tenha uma família(mesmo motivo que o anterior).
-Se estiver ruim, viaje. Vá até um hotel.
-Não enlouqueça.
E mais do que tudo...
-Seja só mais um.
Bolas! Tudo é um profundo tédio, principalmente quando é uma segunda-feira cinza. Estou me escondendo no bar, mas sei que terei que ir embora. Sinto o cheiro da chuva misturado com o conhaque, penso em colocar a minha ex do assunto(nicotina),mas estou tentando evita-la.
O bar esta vazio, diferente de sexta-feira. Numa sexta ,você fica rindo e conversando com uns caras, mas não por ter assuntos em comuns, mas pelo fato de que todos eles estão bebendo contigo .Se não fosse a cerveja, ninguém teria um assunto. Alguns acham isso deprimente, mas considero isso uma espécie de verdade profunda da vida.
Estou filosofando demais dentro num boteco. Chega a ser trágico.
Olho pra velha Avenida Nordestina, foram lá que os meus sonhos começaram a morrer. Lembro que namorei uma garota que tinha esse mesmo tipo de pensamento. Boa parte das minhas namoradas eram tristes, talvez por eu ser triste também.
Penso em onde esta a vida, onde ela está se escondendo, quando é uma segunda-feira.
Penso nos velhos bares esfumaçados, pessoas rindo, um jazz beboop sendo tocado. Um Charlie Parker falando sem parar através do som de seu saxofone surtado. Um Chet Baker no canto escondido no bar, esperando a sua vez. Uma Sophia Loren bebendo cerveja e dançando. Um Cazuza beliscando a bunda de alguém e falando alguns poemas (propositalmente) românticos pro uma turma. O velho Hemingway sentando numa cadeira da skol, falando sobre as antigas lutas de boxe, onde você tinha que ser esperto para lutar e assistir.
Um tromp misturado com fuzz! Uma coletâneas de onomatopeias sinistras, misturado com beijos juvenis. Garotas ruivas e bonitas perdendo a dignidade, um filósofo de escritório caindo bêbado do banheiro...
O Jazz ainda tocando, o baterista dando as viradas(puticatubatuba!),Parker ainda sonhando e vivendo, um pianista ainda esmagando as suas mãos em nome do amor e assim por diante.
A vida deve estar em algum lugar, eu penso. Bebo o resto do conhaque, paro de sonhar e começo a abraças a velha Avenida Nordestina.
As vezes, a realidade é a única coisa que você pode abraçar.