Leituras e digressões sobre Leituras
Cinco da manhã.
A rotina começa.
Ainda na cama, rezo e recito minhas cantigas matinais. Lavo minhas mãos e, em silêncio, converso e releio linhas e ladainhas; sinto-me perto da paz assim.
De olhos fechados, me enxergo melhor.
O dia começa, menos eu.
Vou fazer um café: Bule, água fervente. Café fresco recém passado no pilão. Comprei ali no armazém.
Filtro, pó, água quente.
Cheiro de café solúvel.
Memórias de minha infância leve.
Ouvi dizer que quanto mais novo o filtro, melhor. Prefiro os usados. Eles filtram mais; o café fica mais palatável com filtros usados. Nada muda, mas, tudo permanece diferente. O gosto do café bem filtrado é incomparável. Assim é a vida.
Já te disse que li alguns poucos livros?
Nas minhas andanças, li Proust e me vi sorrindo assustado com a obviedade das linhas que me clareavam os olhos.
Digressões.
Machado invade minha mente agora... Volta e meia tenho algumas conversas transversais com ele e com outras personagens literárias daqui e dali.
“Salvador! Dali vejo melhor!” dizem os que acreditam que a distância é a melhor das opções quando se quer enxergar com amplitude. Prefiro estar perto dos detalhes. Estes fazem a diferença!
Melhor estar perto da amplitude do conforto das mentiras...
O ser humano é fascinante: quer aprender a nadar, desde que seus pés sempre estejam em terá firme. Isto me faz sorrir muito. Proust é F*#da. Volta e meia ele me bate a cara...
Sabe o que é curioso? Nada muda e tudo permanece diferente.
Antagonismo harmonioso da arte pela arte da vida.
Proust, Hugo, Camus, Voltaire, Verne, Baudelaire... Gênios do cotidiano e da mesmice conflitante dos seres viventes.
Tá tudo misturado em minha mente...
Digressões...
Eles chegaram muito perto de traduzir o indizível: o avesso das mentiras diárias que sempre é mais leve do que o peso das verdades escondidas.
Que feio!
A vida é linda.
Desde que esteja repleta de esconderijos. Escolha o seu e esconda-se!
Já fiz minha escolha!
L'égalité vit dans la différence. Ah, a cultura francesa… Fascínio e rejeições.
Já que meu racionalismo está voltando e o frio de minha alma já é certo, posso falar sobre o que lembro: li livros germânicos também; li algumas linhas com o meu malfadado alemão, claro! Gosto de desafios.
Me deparei com Hesse. Outro que tentou ver o avesso das verdades que tentam esconder. Que loucura...
Ah, o ser humano...
Sempre escolhe a nobreza das mentiras e as suas lindas vestimentas a escolher as dores de suas verdades nuas, dizem.
Perdoe-me!
Mencionei Hesse, não foi?
É que lendo as linhas deste nobre declamador de dores, lembro que, embora o ser humano procure sempre a felicidade e sempre a busque, este não a suporta por muito tempo.
Agradeço a Hesse!
Rasgue o véu! Rasgue!
Continuei lendo Hesse e, sempre que pegava um livro dele e começava a ler, pensava:
"Prepare-se que lá vem porrada! (risos intensos agora!)
Obrigado, Hesse! Grito sempre isto! Preferivelmente diante do espelho!
... é que penso que li pouco frente ao que realmente gostaria de ler.
Embora ache que a ignorância e a inocência são as melhores opções, escolhi aprender que, na Leitura, encontro o silêncio de minhas verdades ou das que acho que tenho.
Sei lá se as tenho...
Ao que me parece, conhecimento demais anula a sensibilidade. Se isto for verdade, encontrei meu caminho.
Por outro lado, bate a porta de minha mente um outro senhor alemão: Erich Remarque. “Deve ser horrível não ter nada por esperar”, diz ele!
Nada por esperar. Apenas agradecimentos. Enfadonha escolha! Será?
Novas digressões Machadianas.
Do alemão e do Francês: algumas traduções para o português são horríveis e perdem muito em essência. Mas, algumas pessoas escolhem as coisas complicadas por acharem que são fascinantes.
A tradução de alguns autores que escreveram em Inglês é degradante. Charles Dickens é um exemplo. Tentou expressar o amor em contra-ponto com a razão e "descorajamento". Ou seria a falta de coragem a melhor tradução para discouragement?
Falta de coragem seria ousadia.
Nunca feche seus lábios para quem você abriu - honestamente - seu coração, disse Dickens. Afinal, o outro merece não ter coragem de se enxergar como é: miopia, astigmatismo e hipermetropia da própria vida.
Ou serei eu quem vejo tudo ao contrário? Limites de minha visão pequena. Vai saber...
Fascinante mesmo é a descomplicação. Para descomplicar se faz necessário conhecer bem o que é complicado por essência. Isto me fascina! Então, vou complicar cada vez mais. Gosto de descomplicar, embora acho que é melhor deixar algumas pessoas com a suas escolhas complicadas.
O subjetivo mundo das complicações!
Meus neurônios queimam...
O que eu falava mesmo?
Acho que subjetivei:
Nunca foi sobre o que é lindo.
Nunca foi sobre o que é divertido.
Sempre foi sobre o que é real e individual.
Sempre foi sobre o que causa dor.
Sempre é sobre sofrimento.
Sempre é sobre Ficar, Estar e Ser.
Está frio aqui! É melhor assim.
Oh, Machado! Vem aqui, por favor!
Machado relido é reler a si mesmo.
Sempre tropeço em suas linhas. Lembrei de algo agora: O amor repelido é amor multiplicado. Machado é F*#da! Volta e meia ele me bate a cara...
Vou tomar meu café.
Já está na hora de começar o dia dos outros.
Vou indo...
Quando a decisão de ir livremente acontece, já reafirmo que, mesmo indo, fico.