DIÁRIO DE UMA PANDEMIA (Dia 9; Dia 10)
Dia 9
19 de abril de 2026
Hoje meu trabalho no laboratório rendeu.
Meu produto está quase pronto.
Vai dar tempo de despachá-lo na mala diplomática desse presidente das mil e uma picaretagens e mentiras deslavadas
O cara é mesmo um asco!
O Brasil não merecia um baixinho careca tão escroto!
Mas tenho que reconhecer que meus avanços não estariam acontecendo se não fosse a ajuda dos meus colaboradores da universidade.
Eles nem imaginam o que estão me ajudando a fazer.
Mas eles colherão os frutos. Já estão acostumados. Naquela outra vez conseguiram uma publicação na Nature. Queriam colocar meu nome como coautor, mas não aceitei, mesmo assim mencionaram meu nome numa forma sutil de agradecimento.
Não quero visibilidade.
Imagine, perder minha tranquilidade e o privilégio de viajar sem ninguém me apontando como “olha lá o doutor fulano de tal”. Isso não é pra mim. Prefiro o anonimato.
Bem, se der certo mais esta rodada de comparações e projeções, o produto estará praticamente pronto.
Depois é só fazer o teste de campo. Mas, pensando bem não vou fazer o teste de campo. Vamos soltá-lo no mundo e ver o resultado na prática. O teste de campo será o campo real. Assim, se algo der errado, vão se abrir novos horizontes de pesquisa. Não é assim que a ciência se desenvolve? Procurando solucionar os erros ou equívocos gerados no processo da inovação!
A ciência não evolui pelo acúmulo de certezas, mas justamente pela angustiante ausência de verdades.
O avanço da ciência acontece nas tentativas de superação dos erros já cometidos.
Aquele que vem depois sempre se encarrega de propor uma revisão do fato ou do fenômeno.
É assim que se faz ciência!
Dia 10
25 de abril de 2026
Consegui!
Finalmente deu certo!
Foi meio que um percurso de sorte, mas deu certo!
Imagina, nunca saio pra correr. E justamente hoje resolvi fazer um pouco de exercício para espairecer de horas e dias fazendo projeções e comparações de resultados. Analisando lâminas e descartando os erros…
Realmente a fatalidade e a sorte andam juntas. Neste caso nem foi uma fatalidade. Mas foi sorte pra mim.
Quem diria que uma cadela correndo atrás de um gato poderia nos colocar frente a frente.
A cadela em questão pertence à minha vizinha, que saiu com sua criaturinha para um passeio próximo ao mercado.
O gato?
Um desses tanto que habitam as ruas do mundo.
Como ficamos frente a frente?
Sua cadelinha correu atrás do gato e eu, vendo seu desespero, chamando sua pequena vira latas, consegui segurar a bichinha quando passou por mim.
Segurar?
Não sei se é exatamente esse o termo, pois somente pisei na cordinha que corria arrastada pela cadelinha que havia escapado das mãos da vizinha viúva.
Chegando até onde eu estava comportou-se com naturalidade e deu uma bronca na cadelinha. Sorriu pra mim e disse o obvio “muito obrigada”.
Como eu já estava voltando pra casa, voltamos conversando, como velhos amigos.
E nos despedimos no meio da rua, em frente nossas casas, evidentemente como pessoas civilizadas.
Entrei, com a firme certeza: ela também olha pra mim com um interesse maior do que só o fato de sermos vizinhos.