O hábito e o culto à personalidade

Sabe-se que um dos grandes fatores que pode proporcionar ou deixar de construir mudanças é o que se entende por “hábito”. Isso porque, em muitas oportunidades, o hábito é o que faz a vida ter andamentos automáticos e impensáveis, o que pode ser estratégico, ou não, dependendo de como uma pessoa pensa e age.

Nesse sentido, é importante observar como hoje está em voga o hábito de cultivar personalidades de seres que, embora não sejam conhecidos próximos e não se saiba de forma aprofundada como são suas reais vidas e seus jeitos francos de ser, são vistos como o ideal, transcendendo, muitas vezes, o bem e o mal, a ponto de ser possível vislumbrar o ideal do intocável.

Os cultivados, por sua vez, não fazem questão de descer de seus pedestais, uma vez que de nada adiantará descer degraus para que se fique fora do foco da visão cega da sociedade que o cultiva, através, por óbvio, de um hábito. E, assim, o que de forma diversa poderia se tornar um comportamento positivo, acaba se transformando em um costume vicioso, no qual a sociedade nada mais é do que um cão correndo em círculos atrás do próprio rabo.

Nesse sentido, a interpretação da escritora Clarice Lispector, produzida em seu livro “Perto do Coração Selvagem”, toma importante proporção, já que ela menciona que “viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não ser... Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objetiva, que todos ao nosso redor conhecem; e a subjetiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos - Quem somos? Não saberemos dizer ao certo! Agora, de uma coisa eu tenho certeza: sempre devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser... Aqui reside o eterno conflito da aparência x essência. E você... O que pensa disso?”.

Assim, através desse interessante posicionamento, observa-se que há uma diferença abissal entre fingir ser alguém e inspirar-se em algo. O cultivo de uma personalidade, apenas por querer ser cegamente algo que sequer foi refletido, acaba se tornando o total oposto à oportunidade que surge para, através da reflexão e de bons argumentos, criar inspirações a fim de que se busquem pontos positivos, ao mesmo tempo em que os pontos negativos sejam vistos como fatores a serem aprimorados.

Derradeiramente, então, ressalta-se que tal desorientação voluntária é tão nociva quanto à perda da consciência, uma vez que, por hábito se finge, por hábito se fala, por hábito se faz e, dentro muitas outras possibilidades, por hábito se morre, pois se deixa de ser, em vida, o que nunca foi aceito por não vivê-la.