O futebol na colina sagrada
É quase meia-noite.
Enquanto alinhavo a última lauda de mais uma crônica, alguém passa na minha rua, gritando: "Bahêa! Bahêa!".
Este é o grito de guerra do torcedor do Esporte Clube Bahia, o "Tricolor de aço", assim chamado desde 1931, quando foi fundado.
Ligo meu radinho para saber o que, afinal, está acontecendo com o velho Bahia. E ouço um locutor palavroso anunciar, aos berros, pros quatros cantos do Planeta: - "Estamos na segundona!" E repete várias vezes: - "Estamos na segundooona!"
Na churrascaria "Ponte aérea", a uma quadra do meu prédio - tem esse nome porque fica na esquina da rua São Paulo com a rua Rio de Janeiro -, tricolores, eufóricos, tomam todas. E de lá também vem o grito de guerra: "Bahêa! Bahêa! Bahêêêa!"
Festeja-se a subida, pelo Bahia, de um degrau, na sua gloriosa caminhada, rumo à primeira divisão do futebol brasileiro. De onde, aliás, ele jamais deveria ter saído. Atenção: produzo esta frase, certo de que ninguém, antes de mim, a houvera pronunciado. Podem rir.
Na Bahia, sou rubro-negro; sou Vitória.
Mas, nem por isso, me recuso a felicitar os tricolores por este importante e decisivo passo.
Com a torcida extraordinária e fiel que tem, o Bahia não pode, em nenhuma hipótese, deixar de pertencer à elite do futebol.
Ostenta, não esquecer, na sua bandeira e na sua camisa, a estrela de campeão brasileiro.
Não vou fazer considerações técnicas sobre o desempenho do Tricolor de aço, neste campeonato. Não sou e nem fui cronista esportivo. Nunca passei de um modesto copidesque; ou de um esforçado redator de jornais falados.
Gostaria de tê-lo sido; pelos menos por um dia. Nas redações, a turma do esporte é a mais alegre.
Tanto os repórteres de campo, como os jornalistas que cobrem os clubes, movimentam as editorias, e provocam amistosas e intermináveis discussões sobre os times de suas preferências.
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Na Bahia, diferente do que acontece em outros Estados, a conquista de um campeonato ou de um título importante leva o time vencedor à colina do Bonfim; aos pés do Senhor do Bonfim. E não importa que nela militem atletas da China ou do Afeganistão.
Ontem, o Esporte Clube Vitória esteve por lá , agradecendo seu reingresso na primeira divisão.
Amanhã, será a vez do Tricolor dar graças a Deus pela volta à segunda divisão, e pedir, na Basílica, força para voltar à primeirona.
Coisas da Boa Terra.
Não sei se algum clube carioca, após ganhar um campeonato, subiu o Corcovado para depositar a facha de campeão nos pés do Cristo Redentor.
Só na Bahia, redigo, tem isso.
Aqui, os deuses são torcedores. E Senhor do Bonfim, para não desagradar ao baiano, ama todos os clubes, e abraça, calorosamente, todas as torcidas.
Prova disse é que, em Salvador, ninguém mata ou fere ninguém, em fratricidas "guerras de torcidas".
Aqui, o Axé prevalece nos gramados e nas arquibancadas.
Bahêêa! Vitóória!