Experiência de Analfabeto Musical
Quem, uma experiência, conta, no mínimo, um pouco, inventa. Tentarei narrar com a máxima fidelidade à realidade.
Frequentei por muito tempo estúdio muito simples na Lapa, Rio de Janeiro. Lá enquanto esperávamos ser atendido, compositores das mais diferentes etnias, a maioria compositores profissionais, mas com presença significativa de amadores, trocavam figurinhas, as mais diversas: contando causos, apresentando músicas, tocando instrumentos, fazendo relacionamentos...
No início desse século, um senhor, como eu, também, aposentado, paraibano de Cacimba de Dentro, contou-me que se radicara no Rio ainda jovem e que, diferente da grande maioria nordestina, era um completo ignorante em música e não tinha nem jeito para percutir caixa de fósforo. Mas, gostava de cantar
No final do século passado, 1996, se a memória não me trair, a empresa que trabalhava já vinha há algum tempo sendo alvo de privatização. Entretanto, o governo simplificou o processo e projetou fazer dela uma concessionária. Para isso, surpreendeu os empregados com plano de incentivo à demissão.
Como já tinha alguns meses mais do que trinta anos de registro em carteira e as respectivas contribuições ao INSS, aceitou. Estava certo que continuaria trabalhando. Teve dificuldades. A oportunidade que conseguiu, na área que sempre lhe dera prazer, remunerou de tal forma, que decidiu complementar sua aposentadoria com outra atividade relacionada à música.
Afirmou ele, que todo nordestino tem facilidades para rimas. O grande número de repentistas é mais do que prova. Escolheu como atividade composições musicais.
Contou-me de suas dificuldades e disse-me que desde a primeira composição sempre a fez da seguinte maneira: elaborava a letra; cantarolava em cima da letra (o gogó era o único instrumento que conseguia solar) e estava pronta a composição. Faltava um músico fazer o arranjo e acompanha-lo e em algumas poucas vezes, até mesmo interpretar a canção.
Com a elaboração do CD “demo” (assim ele o chamava) registrava para garantir os direitos autorais e depois saia atrás de algum cantor com algum reconhecimento, para gravar sua música, ao mesmo tempo que procurava algum relacionamento em rádio para divulgá-la.
Minha sábia avó dizia sempre “ninguém prega pregos sem estopa”. Dito que ela explicava: quando se faz alguma coisa, sempre o é por algum interesse.
Nesse caso, escrevo, pois, aquele encontro dizia muito de minha experiência, também, de analfabeto musical e que escolheu fazer composições musicais, para não ficar sem atividade.
Como o objetivo era ocupar-me, analfabeto, musicalmente falando, reprovado na seleção para o coral do colégio (mas com compromisso, espécie de desafio, me aguarde professora...), reconhecido por todos, como desafinado de muito difícil afinação, escolhi essa dificuldade pendente para superar.
Outro interesse é registrar alguma coisa sobre meu trabalho, inclusive dizer que o método de criação é o mesmo do aposentado paraibano.
A maior parte de meu trabalho partia (porque pendurei o gravador) dum projeto de CD anual. Como também o trabalho teve, sempre, como objetivo: tratar de algum tema que me interessasse, mas não tivesse conhecimento; bem como transmitir o novo aprendizado, mesmo que não tão profundamente, como devesse. Então, a maioria dos CDs por mim projetados, foram temáticos.
Escolhido o tema, sempre que possível 13 faixas, partia-se para a pesquisa.
Do aprendizado absorvido se elaborava a letra e, em cima da letra, pelo método de aproximações sucessivas, muita cantoria até se chegar à gravação capela original.
Dessa minha experiência em composições musicais, cheguei à seguinte conclusão: o compositor fornece a matéria prima, no caso de escultura, a madeira, a argila, o mármore..., mas é o arranjador e o intérprete que fazem a escultura.
Muita matéria prima por mim fornecida, levava expectativa de péssimo resultado. Muito bom quando era surpreendido, pela criatividade, sensibilidade e talento do arranjador e do interprete. O inverso também ocorreu, ainda bem que, excepcionalmente.
Aos músicos que transformaram as melodias à capela em partituras e em músicas de fato, com ritmo, melodia e harmonia, devidamente interpretada por seus instrumentos, minha imensa gratidão.
Mais outro interesse é responder ao porquê de analfabetos musicais poderem compor. Porque todos nós, como criaturas idealizadas e projetadas pelo Mistério Criador, somos extremamente diversos em potencialidades. O que não existe é a possibilidade de, em uma única de nossas muitas vidas, tentar desenvolver todas essas potencialiades. Então, basta dedicação a qualquer uma delas que, certamente, será revelada.
Como disse Helena Blavatsky: “somos deuses, e nos esquecemos disso”
ENDEREÇOS RELACIONADOS
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AOS DE NOME JOSÉ (Série Acrósticos Aos Nossos)
Artigo
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Letra
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Gravação Original à Capela
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Gravação Final
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MEU “PENDURAR O GRAVADOR”
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