OBJETO DE DESEJO
(Extraído do livro “Tute-Brincadeiras de Papel” do autor Samuel De Leonardo – Tute)
Antes de tudo, permita-me colocar aqui a definição, segundo o meu entendimento, do que seja o tal “objeto de desejo”, que, a grosso modo, refere-se a tudo aquilo que possa satisfazer a um impulso, consciente ou não, podendo ser um indivíduo ou parte do mesmo. Ainda, uma entidade ou um ideal, reais ou imaginados. Segundo Freud e, posteriormente Lacan, o desejo é um elemento central nodal no ser humano.
Os objetos de desejos podem confundir-se com os objetos de consumo. Todavia, desejar é simplesmente algo abstrato, já consumir é algo concreto. Assim, após todo este preâmbulo, quero tratar aqui do que chamamos de objeto de desejo e fazer uma analogia a um fato ocorrido recentemente no meu cotidiano.
Acometido que fui pela Síndrome Parkinsoniana há alguns anos, tenho me submetido à toda sorte de tratamento no intuito de amenizar o desconforto e as complicações que a doença ocasiona. Não tem sido fácil enfrentar a situação, mas tenho encontrado em todos os locais por onde passo muita cordialidade, acolhimento e, principalmente, profissionalismo de todos aqueles que me atendem.
Se por um lado a síndrome veio comprometer e limitar algumas das minhas práticas diárias, por outro, percebo que tem muita gente interessada e estudiosa no assunto. Assim tem ocorrido com a minha neurologista que monitora os medicamentos, nas terapias com com a psicóloga, nas sessões de fisioterapia na Universidade Metodista e nas diversas atividades no CER - Centro Especializado em Reabilitação, ambos na cidade de São Bernardo do Campo.
Quando não se tem referência de algo que ainda não nos foi apresentado e nem o contexto de determinado assunto, não imaginamos a quantidade e a sua amplitude, até que passamos a conhecer ou a conviver com tudo aquilo, tornando-se assim algo corriqueiro, comum e familiar. No caso especifico do mal de Parkinson, posso agora constatar que têm muitas pessoas acometidas pela doença, que não sou o único e, definitivamente, a mesma não pode ser encarada como um ponto final em nossas vidas, mas sim como letras escritas iniciando outro parágrafo que abre a próxima linha, nos apontando que já passamos pela introdução e que, agora, estamos caminhando no desenvolvimento de outras linhas, que certamente estamparão outras páginas com fé e otimismo, até chegarmos à conclusão da nossa história num ponto definitivo, de fato o ponto final.
Voltando ao tema central, — o objeto de desejo —, permita-me explicar o porquê do tema. Estava eu tranquilo em meu lar quando recebo um telefonema me convocando para participar como voluntário num estudo cientifico de pesquisadores da UFA — Universidade Federal do ABC, relacionado ao mal de Parkinson. — Ufa! — Exclamei. Percebendo que tal convite não era para qualquer um, mas para pessoas especiais, aceitei-o prontamente sem medir esforços, em nome da ciência. E lá fui eu participar desse estudo, onde me submeteram a vários testes, dentre os quais algo que remetia, — segundo a minha imaginação —, a filmes de ficção científica, lembrando uma sessão de lobotomia, uma touca colocada à minha cabeça com um emaranhado de fios e cabos ligados a computadores e a uma máquina esquisita.
Um dos testes exigia muita atenção e controle das minhas ações aos comandos projetados em uma tela à minha frente. Ao término da sessão, após longos minutos em pé, ainda com a parafernália de fios e a touca sobre a cabeça, fui orientado a ficar sentado por cerca de vinte minutos com o olhar fixo direcionado à tela vazia, “sem piscar” ou mover-se abruptamente.
Para realizar a tal tarefa e ocupar o tempo “ocioso” sem que isso me chateasse, procurei me distrair soltando a imaginação, de tal forma que esbocei uma analogia daquele instante: quando jovem, na plenitude do vigor físico e mental, pode ser que em algum momento tenha sido considerado um objeto de desejo para alguma daquelas coleguinhas do colégio, pode ser, talvez, sabe-se lá. Agora, nessa altura do campeonato posso constatar com certeza que continuo as ser um objeto, não mais um objeto de desejo, mas um objeto de estudo.
Viva a ciência!