O Xadrez e o Sabiá

Era um dia de sábado do mês de novembro de 2012, havia chovido um pouco à noite e, já bem cedinho, com os primeiros raios de sol, depois de uns três dias de céu encoberto, os pássaros começavam a fazer sua festa bem próximos a minha janela. Moro no bairro Dom Bosco, em Belo Horizonte, as casas vizinhas não possuem muitas árvores em seus quintais, no entanto, uma que faz divisa com a minha, possui mangueiras e outras árvores que não sei identificar, onde os pássaros se aconchegam, e não foi diferente nesse dia.

O Bem-te-vi se destacava com enorme barulho e canto repetitivo, mas havia um outro que cantava docemente e bastante harmonioso, era um sabiá. Não conseguia vê-lo da janela, mas podia ouvi-lo cantar ali, bem pertinho, como em outras manhãs.

Lembranças da região de Franca, em São Paulo, vieram-me à mente, quando nas fazendas onde morei, via a todo instante, canários, sabiás, pássaros-pretos e outros. Já tinha ouvido antes o canto do sabiá, mas não com esta animação. O que me fez prestar mais atenção ao seu canto foi a leitura de uma pequena crônica do colunista Márcio Cotrim, do jornal Estado de MINAS, sobre o sabiá como ave símbolo do Brasil, título que se deve ao fato de poder ser encontrado em todo o território nacional. Com a leitura da tal crônica, também passei a prestar mais atenção à natureza e recordar as situações de minha infância, mencionadas anteriormente.

Em se tratando do sabiá, também me vieram lembranças de lindas canções feitas por grandes compositores de nossa música popular brasileira, como Chico Buarque de Holanda e Tom Jobim com "Sabiá", ganhadora do Terceiro Festival Internacional da Canção em 1968, com maravilhosa letra e música. A outra música que me marcou muito foi "Sabiá", de Luiz Gonzaga, que também gravou, mas ficou eternizada na voz de Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho em "O Grande Encontro", segundo disco. Tenho tanto prazer ao escutá-la, que imagino a melodia e a letra passeando no espaço até chegar aos meus ouvidos, carregadas pelo vento. Tenho certeza de que muito já foi escrito sobre esse pássaro no Brasil, mas fixemos só nestes exemplos retro.

Num belo sábado, como de costume, acordei bem cedo, talvez pela algazarra que os pássaros faziam bem perto de minha janela. Depois de tomar um delicioso café, fui exercitar um pouco minha mente na internet, praticando xadrez, ora solucionando alguns exercícios no "Chess Tempo", site de exercícios de tática e outros, deliciando-me em todas as belas combinações interessantes e criativas. Para completar meu delírio de felicidade enquanto resolvia algumas geniais combinações e as marcava em um caderno enumerando os exercícios, escutava ao fundo a doce melodia desse sabiá, meu vizinho. Às vezes, ele parava, não sei se para descansar, tomar fôlego, procurar as partituras de suas melodias, não sei, mas aguardava ansioso seu retorno, para meu desfrute. Deu-me então uma imensa vontade de chamá-lo, de me aproximar dele, embora não o visse, só o escutava, e propor-lhe uma troca, para mim justa, que ele cantasse só para mim e bem mais próximo, e eu lhe ofereceria o entender do jogo e a resolução de determinados exercícios de tática, que estava a fazer, e que na minha ótica e nível de xadrez são verdadeiras obras de arte, assim como o cantar desse pássaro maravilhoso.

Que coisa maluca quem sabe até um pouco insana: o canto em troca de jogadas de xadrez. Em nossos pensamentos passam inúmeras situações que até podem ser comprovadas pela ciência, mas que a maioria das pessoas não tem a coragem de levar ao conhecimento do público, por isso, estou contando essa minha ideia.

Pensei que ele poderia se aproximar, mas é melhor que não o faça, nunca, pois essa aproximação seria perigosa à sua segurança e bem-estar. Às vezes, parava de exercitar meu xadrez e me concentrava no seu canto, que parecia mais uma sinfonia de tão prazeroso que estava naquela manhã.

Considero, hoje, o canto dos pássaros como louvor a Deus, agradecendo a quem os criou. Assim, entendo o xadrez como bem próximo de Deus também, como muito bem o definiu meu amigo Eduardo Esber: como sendo um jogo criado por inspiração divina, um presente de Deus para os homens.

Acredito que esse jogo contribui bastante para o desenvolvimento escolar, como na arte, na ciência, no desfrute intelectual gerador de alegrias e satisfação, imenso campo de confraternização, e por aí afora.

Ainda quanto ao sabiá, ele seria o símbolo da Copa das Confederações, ocorrida no Brasil, em junho, mas acho que passou despercebido ou encoberto devido às manifestações populares que ocorreram durante o período da realização dos jogos, para chamar a atenção do mundo e dos nossos governantes para outros problemas sociais.

Até, então, não tinha conhecimento de que os sabiás cantam de forma diferente uns dos outros, podendo imitar o canto de outros pássaros, quem sabe para diversificar e aprimorar o repertório. Adaptou-se perfeitamente ao ambiente urbano, expulso muitas vezes de seu habitat, podendo ser encontrado em todo o território brasileiro, não importando o bioma natural.

No Brasil, o mais comum é o sabiá laranjeira, com o peito de cor alaranjada, mas existem outras espécies, claro. Em uma das fotos desse sabiá laranjeira no Google, ele parece altivo e suas asas se parecem com uma vestimenta que se assemelha ao fraque, como se vestisse para se apresentar em um concerto, assim, no dia a dia, sempre elegante.

Em uma pequena e rápida pesquisa, feita como uma brincadeira qualquer, para algumas pessoas, familiares e amigos que moraram em fazendas, fiz uma pergunta a respeito de qual pássaro eles tinham mais lembrança e admiração por ouvir cantar. E, eles, quase que unânimes, me responderam o canto do sabiá. E, com a nossa migração para as grandes cidades, quase que nos esquecemos desse prazeroso canto.

Enfim, tanto o jogo de xadrez como o canto do sabiá podem nos proporcionar muito prazer, em separado ou em conjunto, como nesse exemplo de sorte que eu tive com esse meu vizinho ilustre.

Digo àqueles que não têm essa sorte de poder disfrutar, ao mesmo tempo, de um jogo tão fascinante como o xadrez e o canto esplendoroso do sabiá, que, pelo menos, tirem proveito do xadrez em suas inúmeras proporções ou prestem mais atenção aos pássaros que nos cercam, quem sabe jogando uma partida de xadrez embaixo de uma árvore tenha a possibilidade de escutar o canto maravilhoso do sabiá.

BETO CAPEL MOLINA
Enviado por BETO CAPEL MOLINA em 31/03/2022
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