Meu décimo salvamento marinho
Foi numa sexta-feira, em fevereiro de 22. Entrei no mar e dei umas braçadas para além da arrebentação, como faço normalmente. Ao me voltar, no entanto, para minha surpresa, me vi longe da areia, muito mais distante de onde as poucas braçadas deveriam ter me levado. A distância me amedrontou, sugerindo ter sido levado por corrente mais intensa do que eu conseguisse contrapor. Tomei fôlego, nadei de volta e só me tranquilizei por completo ao perceber ter retornado para antes da arrebentação.
Tendo voltado à segurança, olhei em torno, para conferir como os outros banhistas estavam lidando com aquilo. Percebi, de imediato, uma criança lutando contra a arrebentação. Nadei em direção ao menino e perguntei se estava tudo certo. À beira do desespero, ele respondeu que não. Dei-lhe a mão e o puxei com facilidade até local mais raso, onde os brios do menino retornaram, fazendo-o pedir que o soltasse. Mesmo ali no raso, o refluxo evidenciou a incapacidade do menino de se contrapor a ele, que se viu novamente carregado em direção ao fundo. Puxei-o outra vez e o entreguei ao pai, já ao meu lado.
O pai tinha certa idade, e acompanhou toda a cena, creio que com sentimento de impotência. Para mim ficou claro que o menino não sairia do mar sozinho; creio que o pai tivesse fosse ter dificuldade para voltar, mesmo sozinho, caso se atrevesse a salvar o filho. Foi meu décimo salvamento nessa praia. O menino tinha uns 8 anos.
Coisa de um mês atrás, já havia muito tempo que eu não salvava ninguém. Caminhava pela praia com duas senhoras, quando uma delas chamou a atenção para uma cena em que um menino segurava a mão de outro, mais jovem, na beira da praia. Embora na beirinha, quase na areia, o menor, já desesperado, apenas pedia socorro, sem lhe ocorrer sair da estranha situação, coisa que ele provavelmente conseguiria por si mesmo, se tentasse.
O menino, no entanto, se encontrava deitado, concentrando todos os seus esforços em se prender à mão que o ajudava, sem tentar se levantar, por si. Quando o irmão o soltou, o menino, em desespero, ia sendo levado pela água, empenhado por completo em conseguir ajuda, sem lhe passar pela mente a possibilidade de se salvar a si mesmo.
Tive que correr para pegá-lo, ainda na beira, mas sendo levado pela água. O resgate deveria ter sido facílimo, mas o menino fazia peso morto e permaneceu entregue por todo o tempo, mesmo quando o trouxe para a areia, tendo sido necessário que eu o mandasse ficar de pé para que tomasse essa mínima atitude.
Esse menino teria morrido à vista de todos, engolido pelas águas, no meio da multidão, por acreditar que sua segurança não é responsabilidade própria, mas de alguém à sua volta.
Registro esses casos para não perder suas lembranças.