CodeClub

Matriculada desde a infância no Madre Alix passava de carro por aquelas ruas e avenidas durante toda a semana. Ficava atenta observando tudo o que podia daqueles casarões. Sempre tive irresistível atração por boites as quais meu irmão Tomicas referia-se como “puteiros”. Eu era bem menina ainda, punha-me a imaginar sobre seus frequentadores e moradores, via os passantes e imaginava-os entrando e saindo daqueles locais. Gastava tempo olhando aquela arquitetura que me chamava como se me conhecesse, que me atraía como se me amasse também.

Foi assim que enxerguei pela primeira vez aquela casa de cor discreta e letreiro interessante. Ali, representante dos puteiros da minha solitária imaginação adolescente antigamente alocada dentro da indiferença de uma cidade grande. Talvez por isso ela me chamasse mais atenção do que as outras casas do tipo que ficavam em Pinheiros que também tinham formas e letreiros chamativos, porém o exterior pintado de branco e à frente um barzinho, restaurante ou coisa do tipo. Não possuíam uma porta grande de madeira sempre fechada me desafiando a querer saber como era por dentro. Não havia disfarce. Uma parede lilás, uma porta de madeira desprotegida, no nível da calçada, acessível. Dava vontade de bater e não sei porque jamais ousei bater. Passados os anos, na comemoração dos primeiros 10 anos de formatura da nossa turma da facul de Saúde Pública da USP, naquela noite, estava com um casal de amigas, elas viram o mesmo que eu, desde adolescente, via. O letreiro berrou por elas como gritava comigo: “CodeClub”. Nos olhamos e comentei: A resistência dos puteiros. Deve ter gemidos gravados nas paredes, angústia no soalho, dores e risos por dentro. - Bóra entrar? — Sorri como criança que ganha seu sorvete preferido. Havia um homem de terno na porta. A entrada era barata. A porta se abriu como um par de braços e pisamos num tapete vermelho cansado, vimos um ambiente de penumbra derrotada. Meu interior sorria. Achamos uma mesa do lado direito com visão diagonal do palco que ainda dormia apagado. O ar ocupado com músicas que não habitavam meu universo. A incrível música chamada de brega. Parecia um museu auditivo. Um túnel do tempo emocional desembocando numa época que nunca vivi, mas gostava como se tivesse vivido. Garçons como anfitriõe seres do futuro naquele ambiente de luxúria amarrotada. Bebemos, não se entra num templo sem saudar suas entidades. Minhas amigas riam e eu apreendia tudo o que podia, aquele mundo só existia ali. Começa o primeiro show. Com apresentador e tudo. A música instrumental abre caminho para um casal de uns trinta anos. A penumbra não dava espaço para os detalhes. Ela se move sensualmente e começa o strip-tease cronometrado. Ao final da música, ele baixa o boxer, gira-o acima da cabeça e vareja a peça que voa. Tudo sem rapidez. Em câmera lenta, levanto o braço e ele pousa nos meus dedos. Sorrio. Olho para os artistas nus com os olhos acesos e muita tesão. Ele me sorri. Parecia uma promessa. Passado um tempo que não deu para medir, afinal, em outra dimensão relógios não têm razão de ser, ele surge sorrindo na minha direção. Éramos três, na mesa quatro cadeiras. Convidei-o a sentar. Sacudi seu boxer brincando se era aquilo que ele tinha ido buscar. Rimos. Não entreguei. Era cedo. Perguntei o que ele gostaria de beber. - O mesmo que você. Bebemos todas as caipiríssimas da casa, regadas por muita conversa e sorrisos. O bom entre mulheres, é que não há necessidade de selecionar os assuntos com a preocupação do que o par pode pensar. As músicas continuavam. Viraram trilha sonora desse novo momento. Tornaram-se temas de vários assuntos. Embalaram a noite. Enquanto minhas amigas se grudavam em beijos, ele me contou muitos causos, como a se justificar por estar ali, tirando a roupa. Até perceber que isso não fazia diferença alguma pra mim. Sentiu-se à vontade... Não era mais justificativa, era um encontro. Tudo tão bom que ignorei o pesado cheiro de sexo que me agredia. Fiz que não entendi quando o rum deu lugar ao gim tônica nos nossos copos. Não me importava com o ambiente cada vez mais sensual, com as sombras luxuriosas que deixavam o recinto, carregando seus corpos em direção às cabines que quando se abriam deixavam antevistos pedaços de suspiros indesejados assemelhados a gemidos. Entramos abraçadinhos... Tínhamos o calor do inferno por dentro.

BiaSil
Enviado por BiaSil em 29/03/2022
Reeditado em 30/03/2022
Código do texto: T7483672
Classificação de conteúdo: seguro