Maria Cheia de Sonhos

No esquecido subúrbio da cidade está Maria entorpecidamente cheia de sonhos. Vivendo a mítica fabula da meritocracia, ela experimenta a miséria de um estafante oficio com a esperança de um dia ter ali um cargo de chefia e uma remuneração mais adequada às suas necessidades. Trabalha às dez da noite e aos feriados, mas não recebe o mínimo por horas extras desempenhadas. Seu patrão ao fugir das responsabilidades jurídicas assina seu contrato com um pagamento muito inferior ao que deveria receber.

Sabe que é explorada, mas tem na imagem do esforço próprio um futuro oásis de bonanças. Ela satisfaz as horas de lazer entre passatempos eletrônicos. Com a família tem fé em deus e nas próprias mãos que conquistará casa própria e bem-estar. Conseguirá ser uma cidadã de posses depois de vivenciar certas adversidades.

Maria quer ingressar numa faculdade, mas não consegue alcançar tal propósito diante de sua lastimável experiência numa escola pública. Deseja melhorar o ganho financeiro, mas seu superior insinuou que ela não passa de uma peoa “oreia seca” atendente de balcão. Ela quer ser uma “vencedora” quando chegar ao fim de todas as jornadas que tem organizado meticulosamente em seus dias. E como sonha com a vitória diante de uma exaustiva epopeia.

Terceirizada após a efetivação da reforma trabalhista e com temor de alargar o número de desempregados no país, Maria agora enfrenta o medo de contrair o coronavírus tendo em vista que é pressionada a continuar se deslocando para o local de trabalho. Ao pegar a lotada condução para a empresa e ao receber mensagens dos seus gerentes que ficarão trabalhando em casa, ela se indaga: na periferia o povo vai receber a mesma atenção que os engomadinhos recebem? Como é que vou fazer quarentena com o risco de ficar desempregada? Se eu ficar desempregada como é que vou fazer bicos na rua se nem gente circulando tem mais? Na favela vão mandar médicos ou policiais para descer o sarrafo nas pessoas? Com as aulas suspensas aonde vou deixar minha irmã mais nova? Pobre mulher, para ela só há a possibilidade de permanecer como anônima e peça a ser descartada numa enorme máquina burocrática e dilaceradora de sonhos.

18.03.2020

Dennis de Oliveira Santos
Enviado por Dennis de Oliveira Santos em 28/03/2022
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