...E AGORA JOSÉ? O SUJEITO INQUIETADO
Você já chegou naquele ponto da vida em que se vê pensando e se perguntando qual o sentido de sua existência e de que se vale a pena estar vivo neste mundo? Não? Ainda não? Não se preocupe você tem grandes chances de um dia passar por isso que vulgarmente chamamos de "crise existencial", afinal mudanças e transformações podem nos provocar medos, questionamentos e reflexões sobre a vida e o futuro.
"Quem somos, de onde viemos e para onde iremos", dúvidas e incertezas da Humanidade que agora são individualmente despertadas. Um furacão de ambiguidades, vacilações, indecisões e emoções parecem rugir de dentro de nossas almas, levando-nos a sentir sensações de que estamos perdidos feito um barco à deriva. Entender a morte e o que vem depois dela e o que estamos fazendo aqui, são coisas que não possuem respostas objetivas, que não conseguimos compreender imediatamente e que teimam em nos atormentar. Embora angustie em princípio, a crise existencial nos remete a tomar melhor consciência dos nossos sentimentos, pensamentos e desejos, enfim, adentrar mais em nossa própria essência. Uma verdadeira odisseia rumo ao interior de quem somos. Um momento nauseante - nos disseres sartreanos - que nos joga em uma posição de um ser-pra-si que questiona, indaga e se impressiona com a realidade e a própria subjetividade.
Segundo o filósofo Jean Paul Sartre a crise existencial se instala e se estabelece quando o sujeito humano percebe a existência de algo errado e passa a se interrogar de suas limitações. É quando somos tomados pela consciência do Nada e, consequentemente levados à angústia de se perceber como um ser inacabado, ao mesmo tempo que compreende ser ele autor de sua vida, embora seja incapaz de construí-la com perfeição. Neste sentido é que reconhecemos o Nada como oposto da plenitude. Desse modo enxergamos a real distância entre onde o ser que gostaria de estar e o ser onde se efetivamente se encontra.
Na crise existencial defrontamos nossos desejos com a realidade. É quando nos damos conta de que estamos longe da nossa autorrealização, que nossos potenciais ainda não foram otimizados e que estamos vivendo como um homem inacabado e incompleto, que a maioria de nossas escolhas foram nos distanciando de quem poderíamos ser e quem ainda podemos ser. Nos tornarmos uma espécie de estrangeiro de nós. E, então, nos vemos inquietantemente nos perguntando: "o que eu fiz da minha vida?"
A vida deve ter um sentido? Sim. Ao menos para muitos. A sensação de que no dia a dia corriqueiro do cotidiano perdemos a razão para se viver, ou que estamos vivendo com a falta dela, pode primeiramente nos angustiar e nos entristecer, mas é, como já dissemos, um momento complexo de profunda reflexão, embora acompanhado de incertezas e dúvidas quanto ao futuro. A antiga e velha "zona de conforto" não mais existe - se é que ela de fato tenha algum dia existido. Estamos desconfortáveis com o aparente e ilusório conforto. É hora, pois, de reagir e de se reinventar. Não é fácil, afinal podemos ainda escolher outros rumos e outras rotas, mas tais escolhas implicam renúncias e responsabilidades, visto que escolher acarreta compromisso, às vezes de sair da "zona de conforto" e me arriscar, inclusive a tentar ser feliz comigo mesmo.
Seja o que lá for a crise existencial do sujeito humano, ela é sempre um diálogo interno. Todos temos desejos reprimidos que devem continuar reprimidos. E todos temos desejos reprimidos que podem ou devem ser desreprimidos para que possamos avançar ainda mais rumo a autenticidade do ser de cada um de nós. Esqueça a perfeição: não somos. Ou como diz o poeta Mário Quintana "buscas a perfeição? Não sejas vulgar, A autenticidade é muito mais difícil".
A despeito das tonalidades afetivas (angústia, tédio, medo, tristeza...) que envolvem a crise existencial, trata-se de uma atmosfera psicológica que pode possibilitar uma saída da mediocridade existencial que restringe e limita o potencial de ser de alguém. Tardio ou não o descortinar do ser abre espaço para a ampliação dos seus horizontes. Para o filósofo Kierkegaard a angústia é a condição que antecede toda e qualquer escolha. E mais uma vez replicando Sartre, “É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade em seu ser se coloca a si mesmo em questão".
Sabe aquela máxima de Descarte do "penso logo sou". Pois é, pensando entramos em crise. Quando pensamos além dos pensamentos prosaicos passamos para uma outra área funcional do pensar que nos leva a interpretar o nosso relacionamento com o mundo, os outros e com nós mesmos. Como disse certa vez o escritor francês Paul Bourget "é preciso viver como se pensa, caso contrário se acabará por pensar como se tem vivido". Eis, portanto, uma das principais finalidades da crise existencial: pensar como se tem vivido (crise) para poder viver condizentemente com o que se pensa.
"Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso tanta coisa", escreve o poeta Fernando Pessoa em seu celebrado poema Tabacaria. E continua: "fiz de mim o que não soube. E o que podia fazer de mim não o fiz." É para isto que entramos em crise. Entramos em crise para evitar que ao fim da linha de uma vida inteira não diga como diz o poeta: "falhei em tudo". É para falhar menos e nos tornarmos singulares que sofremos o sofrer da crise existencial. Ou ainda como escreve Pessoa em seu Livro do Desassossego: "dói-me o universo porque a cabeça me dói". É isto a essência da crise existencial: doer todo o universo que me circunda a partir de dentro de mim.
Se você ainda não chegou ao ponto da vida em que se vê perguntando qual o sentido de sua existência no mundo, prepare-se, pois, você tem chances de poder chegar lá. E não te assustes se este dia um dia chegar, afinal te resta a chance e a saída de ser o que você ainda pode ser. E sendo quem podemos ser, sempre seremos alguém melhor do que hoje somos. Que o futuro que nos aguarda seja o futuro para onde nos dirigimos em nossos sinceros desejos, embora muitas vezes e muitos de nós caminhemos para lá sem sequer saber pra que lá estamos indo. Somos todos aquele José do poeta Drummond: "você marcha, José!/José, para onde?".