CÉU DESPROVIDO DE ESTRELAS

Da janela assisto à tristeza da noite e seu vazio de luar e estrelas. Há um silêncio de chuva prestes a cair sobre a cidade de pessoas trancadas sob as quatro paredes de seu recolhimento domiciliar. Até os grilos, normalmente ardorosos e barulhentos no chamamento das amadas para o amor, emudeceram. Pobre noite sem o murmurio das folhas farfalhando ao sabor da brisa tão usual quando o verão sopra para aliviar a terra da quentura dos dias secos. Quase lhe ouço soluçar baixinho, tamanha a ausência de qualquer som em sua penumbra apenas quebrada pela pouca iluminação dos arredores.

O céu quer chorar, percebo isso claramente na escuridão que lhe apaga o brilho estrelado. E, decerto, talvez chova, vejo promessas nesse sentido no tempo abafado, no ar sem sopro nenhum, no mutismo noturno. Em noites assim a chuva desce mansa apenas quando a madrugada boceja sonolenta e é obrigada a abrir-se para o frio companheiro da chuvinha. Não me deixo enganar, contudo, com essa placidez marota. Muitas vezes o aguaceiro nos surpreende ainda no vicejar da boca da noite, pegando muita gente de surpresa lá fora, alguns caminhando, outros simplesmente de bobeira, inúmeros por razões que não me é lícito analisar.

Melhor antecipar-me e por um agasalho, sou um tanto friorento e tenho sono leve, não me é de bom alvitre acordar abruptamente por causa do frio trazido com a chuva das altas horas. Atrapalha meu repouso, pois nem sempre consigo dormir novamente depois de despertar sendo sacolejado pelo frio que entra sorrateiramente através das frestas das janelas. A camiseta de algodão, usada nas noites estiadas, não tem o condão de sobrepujar obra gelado que sempre vem com as chuvinha se noites assim. Afasto-me da janela em busca do suéter.

Súbito, o vizinho do andar de cima arrasta um móvel qualquer e atrapalha a quietude. Engulo em seco, ensaio um palavrão, mas logo o sufoco, então ligo a tv. Enquanto o sono e a chuva não chegam, dou-me o direito de escolher um programa ou outro que me distraia e faça esquecer o vizinho irritante e a chuva que talvez me traga insônia. A vida sabe ser divertida de vez em quando.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 25/03/2022
Código do texto: T7480487
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