Que o tempo passe bem devagar
“Papai do céu, que eu nunca fique velha e seja criança para sempre. Amém”. Foi assim que minha filha de quase 5 anos terminou a sua oração na noite anterior. Eu dei uma risada contida e um beijo molhado em sua testa, antes de cobri-la do vento gelado que entrava pela janela e de todo bicho-papão que poderia aparecer na madrugada.
Foi a primeira vez que sua inocência reclamou uma grande preocupação, que talvez a afligia já há algum tempo. Naquele momento, eu queria muito confortá-la, passar a mão na sua cabeça e dar a ela todas as garantias de que o papai do céu vai realizar seu maior desejo.
Quem é pai (e mãe) sabe do que estou falando: movemos montanhas para dar aos pequenos o que eles mais querem: o doce mais caro, o brinquedo da TV, aquilo que o amiguinho da escola tem e ele não... E se não conseguimos oferecer, nosso coração se parte ao meio. Dessa vez me falta coragem para explicar que esse presente não chegará tão fácil assim.
Ontem foi especial: pela manhã a brincadeira de bicicleta e de boneca; à tarde era a hora de reencontrar os amigos da escola; antes da noite chegar, uma passada nos avós e na aula de balé que tanto ela gosta... “Papai, hoje o dia foi muito divertido”, disse quando chegamos em casa. E talvez por isso tenha se angustiado tanto em sua conversa noturna.
Na verdade, me espanta pensar em como, nessa idade, ela chegou à conclusão de que seu mundo vai desmoronar quando a fase de criança for embora. Isso sem saber ao certo o que ser ‘velho’ realmente significa. Parece-me que as crianças de outros tempos não tinham tamanha astúcia.
Neste momento me pego pensando, como faço desde quando ela chegou à minha vida, no que fazer para deixá-la menos aflita e permitir que seu universo seja cada dia mais rodeado de cores, desenhos, brincadeiras, unicórneos, amor. Afinal, ainda não é hora de nervosismos.
Nem passou pela minha cabeça, antes que você me pergunte, a ousadia de contrariá-la. Sei o gênio que a habita e seria inconclusiva a minha tese de que o tempo passa para todos e que um dia esse tempo de criança se vai, e aí chega a adolescência, que também é muito legal, e enfim, a fase adulta, a ‘velhice’, que é quando você quer e não pode regressar às preocupações de seus cinco anos.
Agora faço o que está à minha altura, planejando como preservá-la dos reais medos que aparecerão em seus caminhos. Dou a ela, sobretudo, uma mínima contribuição, e peço a Deus, em minhas costumeiras orações, que o tempo passe bem, bem, bem, bem devagar...
🖋📜Crônica de Kallil Dib, jornalista,
pai da Maria Júlia e da Sofia